Alfama-te. Invadir aniversários e jantar com estranhos
Por Clara Silva
O projecto que dinamiza o bairro lisboeta organiza festas de anos em que todos podem entrar e jantares com estranhos
Em Alfama pode invadir festas de anos para as quais não foi convidado. Ninguém se vai preocupar com isso. Mas para entrar tem de levar um presente para um desconhecido. “Pode ser o par de meias que a tua avó te deu no último Natal, pode ser aquele DVD que tens repetido, o livro que já leste e queres passar ao próximo, uma mola da roupa...” – o aniversariante não é esquisito. Pelo menos é o que garante a equipa do Alfama-te, responsável por organizar as “crash parties”, como lhes chamam.
“A ideia surgiu quando decidimos – ou fomos forçados, já não me lembro bem – organizar a festa de aniversário de uma amiga”, conta Ângela, de 29 anos, uma das responsáveis pelo Alfama-te. Depois de lerem várias notícias como a de uma rapariga que convidou alguns amigos via Facebook para a sua festa de anos e 15 mil pessoas acabaram por confirmar presença no evento, decidiram “fazer de propósito aquilo que os outros fazem por engano”. A equipa do Alfama-te, que além de Ângela conta com Joana e Frederico na organização, lançou um evento no Facebook com a festa de anos da Paulinha, onde qualquer pessoa podia aparecer. “Sabemos que o conceito não é original, mas ainda há muita gente que nos diz que não conhece os aniversariantes e talvez não se sinta à vontade”, continua Ângela.
A pensar nisso, e para a próxima festa de aniversário, decidiram criar uma série de regras no Facebook para “crashar”. “Sugerimos até que as pessoas que não conhecem os aniversariantes se apresentem”, diz. “Queremos que os aniversariantes tenham a melhor festa de sempre – ou pelo menos a mais estranha.” A próxima, o quarto aniversário organizado pelo Alfama-te, é já hoje à noite no Clube Lusitano, em Alfama, e intitula-se “Mascara-te de amigo da Mariana e do André”. O evento já tem mais de 120 confirmações no Facebook, muitas delas de desconhecidos dos aniversariantes.
Os preços das bebidas também trazem muita gente ao Lusitano: cerveja e ginja a um euro, gin e whisky a 2 euros e caipirinha a 2 euros e meio. Ou melhor, em vez de euros deve dizer-se alfamareis. O Alfama-te tem uma moeda própria e já criou o conceito de República Independente de Alfama, numa festa em Dezembro do ano passado. “Nessa altura criámos os alfamarins. Mas entretanto a moeda mudou, a república caiu e temos os alfamareis.” Os alfamareis são um sistema de senhas. Assim que chegar a uma festa tem de trocar o dinheiro por senhas para consumir. Nas festas ninguém passa fome. Também há bifanas no pão, caldo-verde e chouriço assado e os aniversariantes têm direito a um jantar com amigos antes da festa.
Mas nem só de aniversários vive o Alfama-te. Aliás, o grupo que pretende ser uma associação para a promoção e o de-senvolvimento de Alfama tornou-se conhecido por causa dos jantares que organiza com desconhecidos. O “Alfama-te a 10”, como se chama, “surgiu da vontade de sentar à mesa pessoas de círculos diferentes”, explica Joana, de 28 anos, também da organização. “Os jantares de sempre com os amigos de sempre começavam a ficar repetitivos e assim havia desculpa para cruzar pessoas que não se conheciam na mesma mesa.” Até agora, o Alfama-te já organizou cerca de 40 jantares com estranhos, alguns dos quais acabaram por se tornar amigos e combinar outros jantares. Mas nenhum deles pode voltar a participar num “Alfama-te a 10”, essa é a regra.
O sítio dos jantares varia consoante a altura do ano. Desde Abril que a mesa para dez é posta em pátios, becos, largos de igrejas e, mais recentemente, em casa de moradores. “Começámos a receber contactos de moradores e até numa galeria de arte já fizemos o jantar”, conta Joana. “Só não jantamos em restaurantes.” Quem cozinha é sempre a pessoa responsável pelo sítio, “seja o morador, seja o dono do bar ou da galeria de arte”. O próximo jantar com dez desconhecidos é na quinta-feira, 23, e as inscrições decorrem na página do Alfama-te no Facebook (o jantar custa 20 euros).
O mais curioso é que os membros do Alfama-te não moram em Alfama. “Nenhum de nós mora lá, mas apaixonámo-nos pelo bairro”, diz Frederico, de 38 anos. “Como aliás queremos que aconteça a quem o visita pela nossa mão.” Os três amigos que criaram o Alfama-te também se conheceram no bairro típico lisboeta e não conseguem precisar a data de nascimento do projecto. “É um processo”, explica Frederico. “Antes de ter este nome já se organizavam eventos na comunidade de viajantes Couchsurfing e Alfama foi ganhando cada vez mais destaque.”
Frederico conta que a partir de certa altura surgiu a necessidade de focar os eventos mais em lisboetas que em turistas. “Até porque não era rara a vez que este ou aquele turista de mapa na mão mostrava conhecer melhor este bairro histórico que os lisboetas.”
ionline
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