segunda-feira, 17 de novembro de 2008

O sistema bancário.




A crise tem abalado o sistema financeiro mundial. Mesmo entre nós, alguns bancos registam perdas volumosas e encontram-se na iminência de ruptura de pagamentos, obrigando à intervenção do Estado. Regressaram as nacionalizações. E estas são imagens exclusivas do Alto do Varejão.

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No meio da tormenta, um recanto soalheiro.


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O Banco do Varejão. Sólido como os outros o não são. Madeira, chapa de zinco e uma tinta cinzenta. Houve o cuidado de pintar até meio da parede, pela altura das cabeças. Um banco é um banco é um banco.

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Houve também o cuidado de instalar um bebedouro para pombos e gatos. Os banqueiros do Varejão têm sentimentos.


Neste recanto, anos a fio, reuniu-se um grupo de quatro homens. Às vezes, eram mais. Para conversar, jogar às cartas, em partidas disputadas entre vozearias e, por vezes, um ou outro impropério. Mas a estrutura accionista desta instituição manteve-se estável e homogénea.

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Porque o sistema bancário do Varejão é feito de coisas simples.


O accionista de referência do Banco do Varejão é um empreendedor discreto, que prefere manter-se na sombra. A gestão prudente da sua carteira de clientes, a ausência de aventuras em fundos de investimento, a repulsa pelo capital de risco são algumas das razões para podermos confiar no Banco do Varejão.

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Varejão, a única instituição bancária sólida. O proprietário, Gaudêncio Gomes, alentejano.

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Tranquilo. Aqui não há convulsões. Veio do Alentejo, onde se passava fome. Trabalhou nas obras e, anos a fio, no sector de distribuição da empresa Izidoro. Subiu a pulso, mas hoje é um homem realizado. Construiu um banco com as suas mãos.

É legítimo o orgulho do Srº Gaudêncio Gomes. Como é natural a amizade que logo ali fizemos com ele.

Apresentando-se como presidente não-executivo desta instituição bancária, recorda que, dos quatro accionistas originais, dois já se encontram a jogar às cartas no Alto de S. João. Mas di-lo naturalmente, sem medo de nada.

A supervisão bancária de Lisboa SOS permitiu descobrir outros accionistas na penumbra.

E, tendo-nos acompanhado, o Srº Gaudêncio Gomes acabou por reconhecer, em plena assembleia geral, que a fundação do Banco do Varejão tinha sido um processo complexo.



Na sombra, havia ainda o detentor de uma «golden share». Decisiva no momento das votações, dada a blindagem dos estatutos do Banco do Varejão.


Pronto, a estrutura accionista desta instituição bancária acaba de ser revelada. Cá está, sentado, o sócio-mistério.

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O Srº Gaudêncio Gomes é confrontado com o facto de, nos alvores do Banco do Varejão, ter sido um mero sócio de indústria.
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Este, sim, era o sócio capitalista. O Srº Vitoriano Carrasco. Reformado da Guarda Fiscal, teve um negócio de sapatos. A vizinhança diz ser um homem de posses. A ele se deve, de facto, a primeira injecção de capital que permitiu o lançamento do Banco do Varejão. Nas suas palavras: «ele [refere-se ao Srº Gaudêncio Gomes] é que construiu, mas eu é que paguei os materiais». Por nós, está feito o relatório da supervisão.


Não integrando o corpo de accionistas maioritários do Banco do Varejão, a Srª Noémia, proprietária da charcutaria, gosta de dizer o que lhe vai na alma. fala pelos homens todos, que se limitam a sorrir.
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Queixa-se da crise. «O que ainda vai valendo é a puta da máquina do café». Mais tarde, pediu desculpa pela linguagem. Nós compreendemos.


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Nasceu na Beira. Na linguagem, o silvar da fala não engana. Mora no Pátio 5, no Alto do Varejão. Aí também mora a cunhada e outros familiares. Mais dia, menos dia, a gente mostra aqui o Pátio 5. Os especuladores imobiliários estão danados para deitar a mão ao Pátio 5. Quando virem, vão perceber.
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Este é o interior da empresa da Srª Noémia.


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Maria Noémia, vinda das Beiras. Palavrão que ferve. É assim mesmo.


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Apesar dos problemas verificados ao nível de escoamento de produtos no sector terciário, o «cash-flow» do Banco do Varejão mantém-se a bom nível. Os rácios de solvência são igualmente animadores.
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A aurea mediocritas é o melhor antídoto contra as tempestades que assolam o mundo dos outros. Aqui, o Dow Jones só interessa se for uma marca de brandy. Caso contrário, vá para o

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O Alto do Varejão e o seu Banco da Amizade são imunes às crises.
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Recordam com saudade os 4 jogadores. O tempos de glória do Banco do Varejão. Um pretérito mais que perfeito. Mas, havendo este sol de Inverno, a vida não é boa?
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A vida é boa.
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Não a compliquem.

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Dos banqueiros que há por esse mundo fora, quantos terão a serenidade de Gaudêncio Gomes? O Banco do Varejão é uma lição em tempos de crise. Porque, afinal, todos vamos morrer, não é verdade? Encontramo-nos todos no Alto de São João. Para uma partidinha de cartas. O Gaudêncio leva o baralho. Para uma cartada no cemitério. Então, até lá, um dia. Um dia que também um dia será o seu dia.

1 comentário:

Sónia Carlos disse...

Um cantinho de lisboa tal como é e como foi para o bem e para o mal... Relembro tempos em que brincávamos à apanhada e às escondidas rua acima, rua abaixo... jogávamos futebol e às raquetes em frente à mercearia antes de haverem carros a ocupar o passeio... jogávamos ao berlinde, ao espeta, ao pião, às estátuas, e a mais tanta coisa no pátio cá em baixo... à carica no muro atrás do banco... e quando nos fartávamos íamos dar uma volta à "creche" subir às árvores e explorar o "hospital velho". À noite tinhamos os bailes nos "Ases". Vivíamos soltos, sem agenda e sem telemóveis, e a única certeza para o dia seguinte é que iríamos estar juntos novamente.