domingo, 29 de março de 2009

«Meter Água»: uma experiência-piloto.


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O Chafariz de São Sebastião da Pedreira está situado na rua com o mesmo nome, junto ao viaduto da Rua Filipe Folque, construído entre 1789 e 1791, por aviso de 21 de Novembro de 1787, segundo o projecto do arquitecto Francisco António Ferreira Cangalhas.
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Com a construção do aludido viaduto, nos finais dos anos 40 do século passado, o chafariz foi recuado da sua posição original. O chafariz recebia água através de um encanamento que provinha da Quinta do Malheiros, assim como da galeria adutora de Sant’Ana, por onde passava a água proveniente do Aqueduto das Águas Livres, que se dirigia ao actual Campo Mártires da Pátria, antigo Campo Santana (1794), passando pela Cruz do Tabuado, actual Praça José Fontana. Do Campo Santana derivou para o Chafariz do Intendente, somente em 1823.
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De São Sebastião derivou para o Campo Pequeno, com o seu término no chafariz de Entrecampos, em 1851. Parte da galeria de Sant’Ana ainda se encontra intacta, principalmente a que foi construída até São Sebastião da Pedreira (1784), por esse motivo, foi considerada Monumento Nacional, pelo Decreto nº 5/2002, de 19 de Fevereiro.
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Por resolução de 19 de Março de 1788 e alvará de 4 de Junho desse mesmo ano, «se concederam todos os sobejos a Manuel José Guedes de Miranda, senhor de Murça, os quais serviam primeiro em grande tanque para gado, que fica por baixo do chafariz».Do ponto de vista arquitectónico, o chafariz patenteia um corpo vertical equilibrado e simples, distinguindo-se o frontão brasonado de características neoclássicas protegido por uma curvatura em forma de chapéu, no qual se eleva um pináculo esférico como prolongamento do seu eixo central, galeria e varanda no tanque superior. Nas laterais, duas pilastras, que se completam na parte inferior por um espaço rectangular, ligam todo o enquadramento decorativo à bacia ou urna de volumetria relevante.
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Na imagem, um avençado do IGESPAR que, para protecção do monumento, decidiu instalar-se junto ao Chafariz centenário.
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Com a colaboração da Junta de Freguesia de São Sebastão da Pedreira e da Câmara Municipal de Lisboa, o IGESPAR leva a cabo uma experiência-piloto no coração da capital. A Junta é muito orgulhosa deste monumento, publicitando-o na sua página na Internet. O espaço foi recuperado há poucos anos, colocaram tijoleira e arvoredo. Vê-se da Rua Filipe Folque, por onde todos os dias passam milhares de pessoas. Importava, pois, que este lugar histórico não fosse ocupado por mendigos e sem-abrigo. Para o efeito, um casal de técnicos especializados, ao abrigo do programa «Novas Oportunidades», ocupou o local no âmbito de uma experiência inédita do Ministério da Cultura, co-financiada pela União Europeia. Mais um bom exemplo da cooperação Europa-Estado-autarquias.
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Fazendo-se passar por sem-abrigo, esta equipa vive neste local. Aí passa os dias, cozinha, dorme e tudo mais... Quem passa, julga que são mendigos. Mas não. Trata-se de um casal de antropólogos que vela para que o Chafariz de São Sebastião não seja ocupado por vândalos. Acompanhemos o seu quotidiano:
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Azeite e óleo de fritar.
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Um relógio de cozinha com uma maçaroca de milho.
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Garrafões de água mineral. «Gi» e Fernando, os antropólogos, preferem Luso.
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O «petromax» para aquecer os alimentos. Le cru et le cuit (Éditions Plon, Paris, 1964). Isto é gente que leu Lévi-Strauss.
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Os caixotes asseguram a higiene do local.
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A panela de pressão e uma pitada de sal.
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Isto já cá está desde o século XVIII. Chama-se brasão real. Tem pouca utilidade nos nossos dias.
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Vassouras e baldes para limpeza. A higiene é fundamental, repetimos.
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O carrinho de criança é um adereço. Serve para transportes pela mui nobre freguesia de São Sebastião da Pedreira, a qual, segundo a utilíssima página na Net da Junta, é a única freguesia de Lisboa que não tem qualquer rua com o nome de uma mulher. E se, em vez destas idiotas curiosidades de almanaque, limpassem o Chafariz?
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A água para limpeza dos tachos. Higiene é higiene.
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Parece-nos ser um micro-ondas. Agora, ligam-no onde?
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Como referimos, o local foi recuperado há poucos anos. Era inadmissível que fosse agora ocupado por vândalos e mendigos.
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O interior do Chafariz. Um esfregão para a louça. Aqui, insistimos, há limpeza.
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Bravo.
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Como Portugueses e como Lisboetas, resta-nos agradecer ao IGESPAR, à União Europeia, à CML e, sobretudo, à Junta de Freguesia de São Sebastião da Pedreira o facto de terem levado a cabo esta experiência pioneira de defesa do espaço público e do património histórico. Este projecto do Chafariz de São Sebastião, intitulado «Meter Água», tem de facto protegido o monumento: ao verem este espectáculo, nem os mais afoitos viandantes se aproximam. Ao jovem casal de antropólogos que aqui vive, uma palavra de incentivo. A todos, o bem-haja de Lisboa SOS.
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1 comentário:

Ana Assis Pacheco disse...

tão grave quanto o estado do nosso património arquitectónico é o estado do nosso património humano
tratamos os nossos cidadãos como tratamos a nossa cidade:
com um IMENSO DESPREZO