domingo, 29 de julho de 2012

Cadeira Gonçalo.





Cadeira “Gonçalo”. Um clássico do design à prova de ferrugem

Por Maria Ramos Silva, in (jornal) i online
Por mais que esbanjasse talento, Gonçalo Rodrigues dos Santos estaria longe de ver a sua obra refastelada no quadro de honra do design. A cadeira terá nascido de noite, nos idos de 1953, quando o serralheiro preferia deitar mãos à obra, isolado dos olhares curiosos dos aprendizes, mal imaginando que chegaria ao século seguinte com presença de peso em esplanadas do país e do mundo. “Não queria ninguém a chateá-lo. É sempre fora de horas que se cria alguma coisa de jeito. Era uma pessoa fora de série: era torneiro, fresador, serralheiro, soldador, designer também, pelos vistos, e sem saber”, recorda Manuel Caldas, empregado na serralharia do mestre de Algés pelos seus 17 anos.

Manuel era empregado de balcão, mas “fugia sempre para a ferrugem”. Mais tarde, acabou por ir para a Alemanha trabalhar. Quando regressou da aventura no estrangeiro, viu o futuro das cadeiras manco. A empresa Arcalo, a primeira do país a patentear cadeiras de empilhar, descendente da antiga fábrica de móveis de ferro Arcalo Lda. – que remonta à década de 40, destacada no fabrico de saltos de sapatos, cinzeiros e o que mais envolvesse fundições e soldaduras –, estava para encerrar portas, depois de várias décadas de fabrico da tradicional cadeira. “O filho do senhor Gonçalo, Jorge, o único ainda vivo, não pegava nisto. Em 1995 já não fabricava cadeiras, estava arrumada. Achei que a fábrica mais antiga do país nesta área, a primeira do país a fazer cadeiras para sentar em ferro, não devia fechar portas. Lá acabei, por parvoíce minha, por pegar na Arcalo. Só me dá dores de cabeça”, brinca.

Entretanto, já lá vão mais de 20 anos à frente dos destinos da marca. Em 1997 introduziu algumas modificações na famosa estrutura e registou-a com o nome do autor, numa homenagem ao antigo patrão. “Por sinal, o neto trabalhava connosco na altura e até achou uma parvoíce estar a pôr o nome do avô. Eu não achei, achei que era digno.”

UMA IDEIA NADA PARVA Várias décadas passaram sobre a criação do mestre, feita por medida a pensar nas esplanadas alfacinhas. As primeiras seguiram para o Café Lisboa, mas não caíram de imediato no goto do cliente. O seu criador foi forçado a alterar as costas e então sim, passaram a ser definitivas, passando a povoar locais como o Jardim da Estrela, Algés ou o Parque Eduardo VII.

Quem assistiu ao processo do nascimento da peça foi o encarregado da Arcalo, o senhor Serafim, um faz-tudo entregue a cortes e soldaduras, o braço-direito do senhor Gonçalo. “Viu o senhor Gonçalo a dar as voltinhas todas na cadeira; costa mais alta, costa mais baixa.” Uma série de afinações que sucederam a anteriores projectos. A Gonçalo foi a sétima cadeira a ser feita na Arcalo, daí que assumisse a minimalista designação de modelo número 7, depois de anteriores versões orientadas para outras áreas de actividade.

“Lembro-me de que o modelo 5 era para os TLP, na altura. As meninas estavam sentadas com os telefones à frente, para darem informações. Depois nasceu o modelo 6, que ainda tenho.” A antecessora da Gonçalo esteve longe de merecer os mesmos níveis de aceitação da emblemática número 7. Não empilhava tão bem e deixava algo a desejar no capítulo da eficiência. Enquanto a número 6 apresenta a perna para a frente, na versão que se lhe seguiu o serralheiro optou por colocar a perna para trás. “Nasceu mais direitinha.”

A metamorfose não acontece por acaso. Se antigamente a cadeira servia apenas para as esplanadas de Lisboa, para beber o café e passar o tempo, hoje serve também para refeições ao ar livre, daí a necessidade de rever a sua estrutura na década de 90. O design principal manteve-se, ajustando-se no entanto a inclinação no espaldar. “O assento também era muito inclinado para trás, passou a ser mais direito, para a pessoa estar mais próxima da mesa. As chapas também, que nalguns pontos se degradavam rapidamente.”

SENTANDO POR AÍ A Gonçalo bem se pode gabar de acumular milhas aéreas. Ainda há um ano seguiu um lote para a Ópera de Paris. Encontram-se ainda espalhadas por Viena de Áustria, Saint Tropez e Bruxelas. O sucesso cresceu depois de Jorge Sampaio, então Presidente da República, as ter levado à Trienal de Milão, garante o responsável pela Arcalo que, não fosse a falta de traquejo para as exportações, apostaria no seu périplo pelo mundo. “Não é uma coisa que se faça muito. Estava acompanhado pelo meu filho e quis projectar a empresa para o estrangeiro. Mas ele decidiu ir-se embora. Já podia estar ser exportada há long time. Tenho 64 anos e já me falta essa pedalada.”