segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Um exemplo.







Sobras de restaurantes são "luxo" para quem mais nada tem
Paulo Lourenço
Levar comida a quem não tem sem pedir um euro extra. É possível e acontece em Lisboa há meio ano. Do sonho de um imigrante americano, nasceu o projecto que transforma sobras de restaurantes em valiosas refeições para quem antes se deitava de barriga vazia.
"Uma noite sentei-me no banco do jardim desesperada, sem saber como dar de comer aos meus filhos. Vi um carro aproximar-se, fui lá, falei do meu caso e deram-me logo pão e bolos". Já com o jantar do dia na mão, Filomena Lafaia, 48 anos, desempregada e mãe de dois filhos, resume assim ao JN o que descreve como "um milagre de Deus" que surgiu na sua vida.

Teologia à parte, Filomena está entre as dezenas de famílias da freguesia de Nossa Senhora de Fátima - por sinal, uma das zonas "nobres" da capital - que é apoiada pelo projecto Re Food, que consiste em aproveitar e redistribuir as sobras de restaurantes por pessoas carenciadas.

"Deitava-me de barriga vazia"

São 21 horas e a noite quente reúne num recatado jardim da cidade um grupo de pessoas em situação idêntica. "Antes não tinha hipóteses de comer. Fui muitas vezes para a cama com a barriga vazia", desabafa Maria Celeste, 55 anos, reformada por invalidez.

Gente a quem o desemprego bateu à porta, ou que vive de magras reformas, a par de idosos que vivem sós, ou sem-abrigo são os casos mais comuns. Mas há também "os clandestinos". Pessoas que nem aos voluntários revelam a identidade, mas que são apoiados pelo projecto.

Foram casos como estes que inspiraram Hunter Halder, um consultor norte-americano, radicado em Lisboa há 20 anos. "Comecei a fazer o levantamento dos restaurantes que existiam na freguesia, quais os obstáculos legais, qual a resposta dos proprietários", conta ao JN, acrescentando que, num primeiro momento, foram identificados 285 estabelecimentos na freguesia como potenciais fornecedores. Actualmente são 32 os que colaboram regularmente.

Deitar fora era uma dor de alma

No início eram 30 voluntários, que, ao final do dia, recolhiam em restaurantes e pastelarias o que sobrava do dia. Hoje são mais de 80 e a aumentar todos os dias. A bicicleta é também a imagem de marca de Hunter Halder. Pedala energicamente para recolher as refeições já separadas pelos donos dos restaurantes. Bolos, salgados, sopa, arroz e refeições completas, que sem o Re food teriam um destino comum: o lixo!

"Era um ritual que repetíamos todos os finais de tarde. E era uma dor de alma, despejar a comida nos caixotes", destaca Carlos Nunes, proprietário de uma pastelaria.

(in JN).

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