Jamaica. De charcutaria a discoteca mais popular do Cais do Sodré
Por Clara Silva,
A música do Jamaica tornou o Cais do Sodré num sítio alternativo e foi expulsando as prostitutas da rua. O espaço abriu faz hoje 40 anos
Leonor Pinhão começou a frequentar o Jamaica em 1978, “quando ainda era um bar de marinheiros estrangeiros e raparigas portuguesas”. Na altura, porta sim porta sim, havia bares de prostitutas, mas o Jamaica era diferente. “Alguém nos disse que o disc jockey era muito bom e começámos a ir lá”, conta a jornalista. “[O DJ] era o Mário Dias, um roqueiro [que agora é radialista da TSF]. A partir daí começou a juntar-se no Jamaica uma clientela nova com os mesmos gostos musicais. Até costumávamos trazer discos para tocar.”
FIFTY-FIFTY Com a jornalista ia também o seu ex-marido, o realizador João Botelho, e um grupo de amigos e actores do elenco de “Ninguém”, a peça que estava em cena no Teatro da Trindade. Foi no Jamaica que “João Botelho mostrou a faceta de excelente dançarino, não resistindo nunca (entre outros ritmos) a um bom rock dos anos 50”, pode ler-se no site da discoteca. “Na altura não havia nenhum sítio de jeito para sair em Lisboa”, continua Leonor. “Só umas discotecas para betos. O Jamaica foi um bocadinho tomado de assalto. Mas foi com tristeza que vi sair as raparigas. Dantes aquilo era fifty/fifty, costumávamos conversar com elas e o ambiente era giro.”
Aos poucos, o antigo bar de prostitutas foi invadido por jornalistas, actores e intelectuais de esquerda de vinte e poucos anos. “As raparigas perceberam que ali já não era sítio para elas e foram procurar trabalho noutros bares. Algumas no fim do trabalho ainda iam ao Jamaica beber uns copos e ouvir música connosco”, recorda.
ENCHENTE O espaço começou a ficar tão cheio que os antigos sofás amarelos em círculo com uma mesa no meio já não faziam sentido. “As pessoas queriam era dançar e era preciso espaço para caber toda a gente.”
Foi Luís Filipe Pereira, de 55 anos, quem pensou na redecoração da discoteca por volta dessa altura. “Ainda hoje é a mesma”, diz o de filho Avelino Pereira, um dos fundadores do Jamaica – o outro é Luís Cabral, já falecido. “Pensei em mesas e cadeiras altas para as pessoas dançarem à vontade e quem está sentado não ser esmagado por um monte de gente aos pinotes.”
Luís considera-se o responsável por essa viragem de clientela. Em 1975, tomou conta do negócio do pai e do outro sócio, “que não corria nada bem”. “Havia muita concorrência na rua e as casas que estavam estabelecidas, como o Lusitano [onde é agora a companhia de teatro Casa Conveniente], o Europa e o Texas [actual Music Box] eram as que trabalhavam melhor.” Os dois sócios concordaram em deixar o Jamaica nas mãos de Luís. “Pior não fica”, disseram-lhe. E não ficou.
DE CHARCUTARIA A DISCOTECA O único fundador vivo, Avelino Pereira, tem 88 anos e já não se lembra de muita coisa – “estou um bocado desmemoriado devido aos meus quase 90 anos”, diz-nos na sua casa em Almada. Mesmo assim, lembra-se de ter inaugurado o Jamaica faz hoje 40 anos, a 22 de Outubro de 1971. “Na altura era uma charcutaria chique, mas as discotecas é que estavam a render. Eu e o meu sócio gostávamos de ver os outros a divertirem-se.” O Europa também lhes pertencia e, por isso, não se importaram de deixar o Jamaica nas mãos de Luís Filipe.
“Já conhecia gente da noite, inclusive um rapaz que trabalhava na Phonogram [uma gravadora], o Mário Dias”, conta Luís. “Ele queria era fazer rádio, mas como a situação dele na Phonogram não era privilegiada eu aliciei-o com uns trocos. Ele é que fez o Jamaica, eu fui só o mentor.”
NOMES PARA MARINHEIROS Além de terem sido os pioneiros da música alternativa na rua, os fundadores do Jamaica foram também os primeiros a inventar nomes de bares que atraíam os marinheiros. “Isso eram coisas do meu pai e do sócio. Tinham o Granada, no Conde Barão, onde agora é um banco, uma cervejaria com snooker chamada Califórnia, também no Cais do Sodré... O Jamaica tem aquele nome de sítio idílico, atraía os marinheiros americanos.”
TOKYO Pouco tempo depois de o Jamaica se tornar uma discoteca alternativa, o Tokyo, um antigo bar de prostituição, decidiu seguir-lhe o exemplo na porta ao lado. “Quando os meus clientes chegavam ao Jamaica e viam aquela fila que dava a volta à esquina, iam para o Tokyo porque a música era exactamente igual. Aliás, o filho do Mário Dias, o Bruno Dias, também foi lá DJ. Depois fui buscá-lo para o Jamaica [onde ainda é DJ residente].”
A música continua igual. E ainda bem. “Em 2000 conheci uns rapazes muito conceituados que faziam festas de música electrónica em Lisboa. Como a quarta-feira era um dia mais fraco [à terça-feira há reggae e é assim há 15 anos], decidi trazê-los”, conta Luís. “Os meus clientes iam-me matando. Disseram-me para parar de inventar coisas, que gostavam do Jamaica tal e qual como ele era.”
UM ANTRO Luís diz que foi graças ao Jamaica que a rua começou a livrar-se da prostituição. “Fomos os responsáveis pela mudança. Quem lá fosse há 40 anos... Ui, aquilo era um antro. Havia histórias muito picantes, sexo na rua e em vãos de escada, mas todas as casas pagavam policiamento e por isso nunca se passava nada de mal. Era só uma rua indecorosa mas a polícia estava sempre lá.”
Agora Luís só vai ao Jamaica “buscar dinheiro”, até porque se deixou de vida nocturna. Quem lá vai, diz que pouco mudou desde os anos 80. “No outro dia fui lá com uma amiga que já não entrava lá há 30 anos”, conta Leonor Pinhão. “Ela encostou-se à porta e disse: ‘Isto está igual.’”
(jornal «i»).
FIFTY-FIFTY Com a jornalista ia também o seu ex-marido, o realizador João Botelho, e um grupo de amigos e actores do elenco de “Ninguém”, a peça que estava em cena no Teatro da Trindade. Foi no Jamaica que “João Botelho mostrou a faceta de excelente dançarino, não resistindo nunca (entre outros ritmos) a um bom rock dos anos 50”, pode ler-se no site da discoteca. “Na altura não havia nenhum sítio de jeito para sair em Lisboa”, continua Leonor. “Só umas discotecas para betos. O Jamaica foi um bocadinho tomado de assalto. Mas foi com tristeza que vi sair as raparigas. Dantes aquilo era fifty/fifty, costumávamos conversar com elas e o ambiente era giro.”
Aos poucos, o antigo bar de prostitutas foi invadido por jornalistas, actores e intelectuais de esquerda de vinte e poucos anos. “As raparigas perceberam que ali já não era sítio para elas e foram procurar trabalho noutros bares. Algumas no fim do trabalho ainda iam ao Jamaica beber uns copos e ouvir música connosco”, recorda.
ENCHENTE O espaço começou a ficar tão cheio que os antigos sofás amarelos em círculo com uma mesa no meio já não faziam sentido. “As pessoas queriam era dançar e era preciso espaço para caber toda a gente.”
Foi Luís Filipe Pereira, de 55 anos, quem pensou na redecoração da discoteca por volta dessa altura. “Ainda hoje é a mesma”, diz o de filho Avelino Pereira, um dos fundadores do Jamaica – o outro é Luís Cabral, já falecido. “Pensei em mesas e cadeiras altas para as pessoas dançarem à vontade e quem está sentado não ser esmagado por um monte de gente aos pinotes.”
Luís considera-se o responsável por essa viragem de clientela. Em 1975, tomou conta do negócio do pai e do outro sócio, “que não corria nada bem”. “Havia muita concorrência na rua e as casas que estavam estabelecidas, como o Lusitano [onde é agora a companhia de teatro Casa Conveniente], o Europa e o Texas [actual Music Box] eram as que trabalhavam melhor.” Os dois sócios concordaram em deixar o Jamaica nas mãos de Luís. “Pior não fica”, disseram-lhe. E não ficou.
DE CHARCUTARIA A DISCOTECA O único fundador vivo, Avelino Pereira, tem 88 anos e já não se lembra de muita coisa – “estou um bocado desmemoriado devido aos meus quase 90 anos”, diz-nos na sua casa em Almada. Mesmo assim, lembra-se de ter inaugurado o Jamaica faz hoje 40 anos, a 22 de Outubro de 1971. “Na altura era uma charcutaria chique, mas as discotecas é que estavam a render. Eu e o meu sócio gostávamos de ver os outros a divertirem-se.” O Europa também lhes pertencia e, por isso, não se importaram de deixar o Jamaica nas mãos de Luís Filipe.
“Já conhecia gente da noite, inclusive um rapaz que trabalhava na Phonogram [uma gravadora], o Mário Dias”, conta Luís. “Ele queria era fazer rádio, mas como a situação dele na Phonogram não era privilegiada eu aliciei-o com uns trocos. Ele é que fez o Jamaica, eu fui só o mentor.”
NOMES PARA MARINHEIROS Além de terem sido os pioneiros da música alternativa na rua, os fundadores do Jamaica foram também os primeiros a inventar nomes de bares que atraíam os marinheiros. “Isso eram coisas do meu pai e do sócio. Tinham o Granada, no Conde Barão, onde agora é um banco, uma cervejaria com snooker chamada Califórnia, também no Cais do Sodré... O Jamaica tem aquele nome de sítio idílico, atraía os marinheiros americanos.”
TOKYO Pouco tempo depois de o Jamaica se tornar uma discoteca alternativa, o Tokyo, um antigo bar de prostituição, decidiu seguir-lhe o exemplo na porta ao lado. “Quando os meus clientes chegavam ao Jamaica e viam aquela fila que dava a volta à esquina, iam para o Tokyo porque a música era exactamente igual. Aliás, o filho do Mário Dias, o Bruno Dias, também foi lá DJ. Depois fui buscá-lo para o Jamaica [onde ainda é DJ residente].”
A música continua igual. E ainda bem. “Em 2000 conheci uns rapazes muito conceituados que faziam festas de música electrónica em Lisboa. Como a quarta-feira era um dia mais fraco [à terça-feira há reggae e é assim há 15 anos], decidi trazê-los”, conta Luís. “Os meus clientes iam-me matando. Disseram-me para parar de inventar coisas, que gostavam do Jamaica tal e qual como ele era.”
UM ANTRO Luís diz que foi graças ao Jamaica que a rua começou a livrar-se da prostituição. “Fomos os responsáveis pela mudança. Quem lá fosse há 40 anos... Ui, aquilo era um antro. Havia histórias muito picantes, sexo na rua e em vãos de escada, mas todas as casas pagavam policiamento e por isso nunca se passava nada de mal. Era só uma rua indecorosa mas a polícia estava sempre lá.”
Agora Luís só vai ao Jamaica “buscar dinheiro”, até porque se deixou de vida nocturna. Quem lá vai, diz que pouco mudou desde os anos 80. “No outro dia fui lá com uma amiga que já não entrava lá há 30 anos”, conta Leonor Pinhão. “Ela encostou-se à porta e disse: ‘Isto está igual.’”
(jornal «i»).
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