sábado, 15 de outubro de 2011

Calma, nem tudo é mau.







Avenida da Liberdade. Um salão de visitas ao seu dispor
Por Maria Ramos Silva, publicado em 15 Out 2011


De punhos no ar a sacos de compras, já viu de tudo, o senhor Marquês. Hoje assiste de camarote a mais uma manifestação

Cachecóis e talhões de cultivo, concertos e bandeirinhas, cravos vermelhos e balões, punhos no ar de precários e estilosas romarias de gente na moda. A história recente da Avenida da Liberdade, em Lisboa, é feita de enchentes e slogans. Ora palco de alegria, ora sede de pesar, a luta volta hoje a sair à rua. Antes da descida até à Baixa, recordamos outras datas.

Dos estudantes aos polícias, sem esquecer os professores, uma das classes que mais saem à rua para engrossar a voz da contestação. Em Maio de 2009, por exemplo, a Federação de Professores (Fenprof) estimou em 70 mil as pessoas que percorrem a Avenida da Liberdade na manifestação dos docentes convocada pelos sindicatos do sector. Como nos balanços (até o Marquês sabe) nunca há consenso, a PSP situou a fasquia nos 55 mil.

25 de Abril O cenário repete-se ano após ano, entre a Rotunda e o Rossio, com direito a espectáculo que revisita as músicas emblemáticas da revolução de 1974. Milhares de pessoas desfilam para assinalar a efeméride e aproveitam a data para contestar as políticas do governo vigente, reivindicar direitos ou simplesmente gritar a plenos pulmões a tradicional frase “25 de Abril sempre! Fascismo nunca mais”. Os cravos vermelhos que assinalaram a transição para a liberdade são uma presença constante nesta data primaveril.

“Lá vai Lisboa com o arquinho e balão” Junho, mês das festas da cidade, é pretexto para instalar bancadas Avenida fora e assistir à apresentação dos cerca de 20 bairros em descida pela Avenida, nos seus trajes coloridos. Lá vão elas, formosas e seguras, as marchas populares. “Alfama é que é” ou “A Bica é linda” estão entre os slogans mais escutados.

Casamentos Em Fevereiro de 2010, a Plataforma Cidadania Casamento reuniu simpatizantes de todo o país na luta por um referendo à lei que permitisse o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A manifestação começou às 15h no Marquês de Pombal, para não variar, e rolou pela Avenida até à Praça dos Restauradores, onde se organizou a Festa da Família, “a favor do casamento heterossexual”, em contraste com outras marchas, neste caso conduzidas pelo orgulho gay, que em edições anteriores povoaram este asfalto.

Papa Maio de 2010 foi um mês atarefado para o Marquês de Pombal, que mal se tinha desembaraçado dos cachecóis encarnados que celebraram a vitória na Liga Sagres deu por si envolto num mar de bandeirinhas empunhadas por jovens que receberam o Papa Bento XVI ao som de cânticos.

Bola Falando de tendências clubísticas, escusado será referir que uma vitória no campeonato é garantia absoluta de multidão na rua. Isto se falarmos de Benfica ou Sporting. Diga-se em abono da verdade que nos últimos anos poucas hipóteses têm tido os adeptos dos principais emblemas da capital para se encavalitarem na estátua do Marquês de Pombal em sinal de festejo.

Uma manifestação antiNATO trouxe mais de 30 mil pessoas ao coração de Lisboa, concentração que coincidiu com o fim da cimeira da Aliança Atlântica, que decorreu no Parque das Nações durante dois dias, em Novembro de 2010. “Paz sim, NATO não”, foram as palavras de ordem.

Geração à rasca O manifesto publicado no grupo da rede social incitava à participação numa manifestação em Lisboa no dia 12 de Março de 2011 para todos os “desempregados, “quinhentoseuristas” e outros mal remunerados, escravos disfarçados, subcontratados, contratados a prazo, falsos trabalhadores independentes, trabalhadores intermitentes, estagiários, bolseiros, trabalhadores-estudantes, estudantes, mães, pais e filhos de Portugal”. No total, foram quase 300 mil os que passaram pela Liberdade, unida em torno dos protestos dos precários inflexíveis e da Geração à Rasca.

E então o campo veio à cidade Foi a 18 de Junho, com direito a 5500 talhões de cultivo, mais de um milhão de plantas, 266 animais, convites para piquenicar e um concerto de Tony Carreira nos Restauradores. Diz que juntou 500 mil agricultores urbanos.

Fashion Night Out A principal artéria alfacinha não vive só de precários nem do espírito sindicalista. Aliás, a maior parte do ano é por excelência a casa-mãe de algumas das mais luxuosas etiquetas da nossa praça. A 8 de Setembro, o eixo Louis Vuitton-Prada ficou entupido com aficionados da moda na segunda edição da Fashion Night Out.

Música O público saltita entre o Teatro Tivoli, o Cinema São Jorge e o parque subterrâneo do Marquês, guiado pela música que anima um já frio fim-de-semana de Dezembro. Em 2010 voltou a ser assim, graças ao festival Super Bock em Stock, um dos eventos recentes que obrigam o senhor da estátua a ir mais tarde para a cama.

(jornal «i»).

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