A imagem insólita das ovelhas no meio da cidade prendeu um sem-abrigo... (DR)
Projecto já chegou a outras capitais europeias
A cidade vista por quem não consegue morar nela
Por Marisa Soares
Um artista plástico pediu aos sem-abrigo que fotografassem Lisboa. As melhores imagens vão ser vendidas para ajudar a associação CASA.
Como é a Lisboa dos sem-abrigo? Para o senhor Luís, é a cidade dos eléctricos "amarelinhos" e das ovelhas que parecem perdidas numa rua do centro da capital. Para o senhor Justino, é a cidade banhada pelo rio Tejo, ao fim da tarde. Bruno Gaspar, um artista plástico e ilustrador de Leiria, deu máquinas fotográficas descartáveis a 15 sem-abrigo da capital e pediu-lhes que gastassem os rolos até ao fim. Cada disparo será por uma boa causa: as fotografias vão estar em exposição e as melhores vão ser leiloadas. A verba arrecadada reverte a favor do Centro de Apoio aos Sem Abrigo (CASA).
A ideia surgiu no final do ano passado. "Comecei a envolver-me com a CASA e percebi as dificuldades que enfrentam. Achei que tinha o dever de ajudar, enquanto cidadão", justifica. Os voluntários da CASA distribuem diariamente cerca de 350 refeições, à noite, nas ruas de Lisboa. "Há um ano e meio, distribuíamos 180", diz o presidente do centro, Jorge Correia.
As carrinhas da associação são procuradas por pessoas sem tecto e não só. "Vêm muitos desempregados, que usam o subsídio para pagar o quarto e o que sobra não chega para comer", diz Inês Pardal, uma das voluntárias. Nos últimos meses, aumentou o número de estrangeiros, sobretudo do Leste. Com cada vez mais pessoas a pedir apoio, agora é a CASA que precisa de ajuda. É necessário aumentar o espaço da cozinha e adquirir mais equipamentos. O dinheiro conseguido com a venda das fotografias servirá para apoiar esse investimento.
Jorge Correia espera que o projecto consiga "inspirar" quem mora nas ruas e mostrar que, mesmo naquela condição, podem ser úteis e ajudar quem os ajuda.
Fotografar outras capitais
As máquinas fotográficas descartáveis têm sido oferecidas por desconhecidos, deixadas na Livraria Arquivo, em Leiria, ou enviadas pelo correio. "Gostava que empresas como a Kodak ou outras do ramo quisessem apadrinhar o projecto", admite Bruno Gaspar.
O artista plástico, que dirige uma empresa de publicidade em Leiria, vai agora levar o projecto além-fronteiras. Através de amigos e pessoas conhecidas, já seguiram máquinas descartáveis para Madrid (Espanha), Londres (Inglaterra), Paris (França), Berlim (Alemanha), Amesterdão (Holanda) e Bruxelas (Bélgica). Os próximos destinos são Nova Iorque (EUA) e Toronto (Canadá).
Depois do Verão, Bruno Gaspar pretende organizar uma exposição com as fotografias de todas as cidades. "Quero que eles [os sem-abrigo] possam visitar a exposição livremente", diz, acrescentando que pondera também projectar as fotografias em alguns locais onde os sem-abrigo de Lisboa dormem.
Mas o projecto de Bruno Gaspar não se fica por aqui. A partir da próxima semana, vai trocar a cama confortável por um pedaço de cartão, algumas mantas e um espírito aberto. "Vou pôr-me à prova". O objectivo é retratar a experiência em vídeo, desenho e texto, para depois publicar.
Segundo os dados mais recentes da Câmara de Lisboa, de 2007, as equipas de rua identificaram 1187 sem-abrigo. Mais de metade dormia em centros de acolhimento e quase um terço em espaços abertos. Os números são antigos mas são os que constam do Plano Cidade para a Pessoa sem Abrigo de Lisboa, aprovado em Maio de 2009.
(in Público)
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