quarta-feira, 27 de abril de 2011

Mário de Sá-Carneiro (Lisboa, 19 de Maio de 1890 — Paris, 26 de Abril de 1916)




Quási


Um pouco mais de sol - eu era brasa,

Um pouco mais de azul - eu era além.

Para atingir, faltou-me um golpe d'asa...

Se ao menos eu permanecesse àquem...



Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído

Num baixo mar enganador de espuma;

E o grande sonho despertado em bruma,

O grande sonho - ó dôr! - quási vivido...



Quási o amor, quási o triunfo e a chama,

Quási o princípio e o fim - quási a expansão...

Mas na minh'alma tudo se derrama...

Entanto nada foi só ilusão!



De tudo houve um começo... e tudo errou...

- Ai a dôr de ser-quási, dor sem fim...

- Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,

Asa que se elançou mas não voou...



Momentos d'alma que desbaratei...

Templos aonde nunca pus um altar...

Rios que perdi sem os levar ao mar...

Ansias que foram mas que não fixei...



Se me vagueio, encontro só indicios...

Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;

E mãos de herói, sem fé, acobardadas,

Puseram grades sôbre os precipícios...



Num impeto difuso de quebranto,

Tudo encetei e nada possuí...

Hoje, de mim, só resta o desencanto

Das coisas que beijei mas não vivi...



Um pouco mais de sol - e fôra brasa,

Um pouco mais de azul - e fôra além.

Para atingir, faltou-me um golpe de aza...

Se ao menos eu permanecesse àquem...



Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão'

1 comentário:

Carlos Henriques disse...

Obrigado por colocar uma foto de Remo com um Yolle,

cumprimentos,

Carlos