E «A Napolitana»?
É tido e achado: o nosso património industrial, i.e., o que nos resta das unidades industriais do início do séc. XX, é entendido como mera curiosidade e não passa disso, salvo raras excepções (ex. a antiga Central Tejo, hoje Museu da Electricidade). Não poucas vezes, até, a arquitectura industrial é vista como um empecilho a projectos imobiliários os mais variados. São disso exemplo: os gasómetros da Matinha; o rico património já extinto na Boavista e em Alcântara, “bombardeado” por ordem expressa de edil pouco interessado em manter “barracões”, obstáculos, no seu entendimento, ao “progresso” da cidade.
E falo dos esqueletos, que do seu recheio é melhor nem falar. Costuma desaparecer no limbo em que as velhas unidades fabris caem mal são desmanteladas, mudam de dono e vêem projectos de alterações a desenvolver-se. Há os que seguem direitinhos para a casa deste e daquele, outros para a sucata, uns chegam a ser inventariados mas depois alguém lhes dá sumiço. Tristes exemplos: a antiga engomadoria “Ramiro & Leão” (à Pena) e a maquinaria a vapor do Elevador do Lavra, ambos desapareceram por ignorância e desmazelo de CML, IPPAR e Carris.
Vem esta ladainha a propósito d’ A Napolitana (e que bem lhe assentaria uma «tarantella»), a antiga fábrica de moagem e massas de Alcântara, projecto de 1908-9 de invulgar qualidade, de Veillard & Touzet, a partir de planos técnicos da casa alemã Anme, Gisecke & Konegen - ver o excelente artigo de Deolinda Folgado, no Nº 6 da Revista Estudos Património do IPPAR, de 2004 - e, mais concretamente, a propósito da caducidade em Dez. de 2010 do processo de classificação aberto pelo IPPAR em 2004, e do envio do mesmo à CML “para ponderação da classificação como de Imóvel de Interesse Municipal”.
Ora, se há património industrial em Lisboa, razoavelmente bem conservado e uno, que deva ser classificado como de Interesse Público, ele é «A Napolitana». Da mesma autora, pode ler-se no “site” da ex-DGEMN: “Os vários edifícios construídos - fabrico das massas, moagem, silos, casa das máquinas, mesmo as ampliações ocorridas, logo a partir de 1912-13, mantiveram uma unidade construtiva e uma homogeneidade estética conferida pela valorização atribuída a elementos estruturais, como os pilares, aos vãos de iluminação e à articulação do tijolo silíco-calcário branco e cinzento”.
Mas tão importante quanto a classificação (urgente), é assegurar que uma futura utilização, uma vez saídos os escritórios que por lá estão, resulte uma feliz combinação entre bom uso e fidelidade ao património. A sua adaptação a apartamentos em “loft”, à semelhança de Manhattan e das docas londrinas, e de que já há bons exemplos em Lisboa (ex. a antiga fábrica de lâmpadas Osram, na Av. 24 de Julho), seria uma excelente notícia.
Paulo Ferrero
In Jornal de Notícias (10.2.2011)
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