terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

As obras de São Vicente.





Estuques pintados na Igreja de S. Vicente de Fora destruídos durante o restauro
Por Ana Henriques

Apesar de não saltarem à vista de qualquer um, as transformações no monumento nacional são criticadas pelos historiadores de arte Raquel Henriques da Silva e Ricardo Lucas Branco

As obras de restauro da Igreja de S. Vicente de Fora, em Lisboa, destruíram estuques pintados nos tectos. Parte da operação foi autorizada por técnicos ao serviço do Estado, que entenderam que não se justificava refazer os estuques, uma vez que eles não eram originais da época de construção do templo (séc. XVII), mas houve áreas deste monumento nacional onde a Direcção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo, que acompanhou os trabalhos, assegura não ter autorizado qualquer remoção de estuques.

Dois historiadores de arte, Raquel Henriques da Silva e Ricardo Lucas Branco, criticam a operação, mesmo nas áreas em que ela foi feita com o consentimento das autoridades que tutelam as questões de património. Ricardo Lucas Branco fala mesmo em atentado: "Foi tudo picado, arrancado e atirado para o lixo, não só na abóbada da capela-mor, mas também nas capelas laterais, que não tinham patologias significativas resultantes de infiltrações pluviais e agora apresentam abóbadas caiadas lisas." As pinturas em causa imitavam a pedra que reveste a abóboda.

Orçado em milhão e meio de euros, o restauro destinou-se sobretudo a resolver graves problemas de infiltrações de que a igreja padecia e que resultaram em frequentes quedas de estuque em cima de quem ali ia. No Verão de 2008, a igreja foi encerrada ao público como medida de precaução para só reabrir no mês passado, já de cara lavada. Como proprietário do imóvel, cabia ao Estado abrir os cordões à bolsa.

A falta de verbas da administração central fez com que tivesse sido o Patriarcado a pagar os trabalhos. "O Estado demitiu-se das suas responsabilidades e deixou a Igreja fazer o trabalho que lhe competia", observa Ricardo Lucas Branco.

Necessidade ou leviandade?

Há cerca de um ano, um técnico da Direcção Regional de Cultura descrevia o estado em que tinha encontrado a abóbada da nave central: "Os estuques estão soltos e com queda iminente (...) e são relativamente recentes e de má qualidade. Não há a menor dúvida de que deverão ser demolidos. Não é possível repará-los de forma a garantir a sua estabilidade, não colocando em risco os utentes da igreja."

Uma opinião que seria corroborada por um especialista do Instituto do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar). Restava saber se se deveria substituí-los por uma pintura com o mesmo aspecto, ou se se deveria caiar de branco estas partes do tecto. De menor custo, a solução adoptada acabou por ser esta última. "É de uma leviandade absoluta usar num monumento nacional o argumento de que se retira isto ou aquilo, porque está em mau estado ou porque se trata de uma obra tardia", comenta Raquel Henriques da Silva, "especialmente quando isso altera profundamente a imagem do imóvel".

Patriarcado "sem posição"

Aos olhos de um leigo as transformações efectuadas não saltam à vista, admite a especialista. Mas isso não justifica, no seu entender, aquilo que Ricardo Lucas Branco classifica como "uma intervenção simplista, destrutiva e criticamente autista - para não dizer ignorante - que não fez caso dos mais elementares princípios do restauro contemporâneo".

O PÚBLICO tentou obter um comentário da Direcção Regional de Cultura ao caso, mas este organismo limitou-se a disponibilizar o respectivo processo para consulta.

O Patriarcado mostrou-se parco em explicações. "Não existe uma posição oficial sobre o assunto", respondeu o porta-voz da instituição eclesiástica, o cónego Nuno Brás. "As obras foram feitas sob a supervisão do Igespar e o tecto que lá está, que foi reparado a expensas do Patriarcado, é o original. Não temos mais nada a acrescentar."

(in Público).

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