Município diz que o prédio foi entregue à Misericórdia, mas esta nega tal versão
Centro de dia da câmara de Lisboa abandonado e vandalizado
Por José António Cerejo
As portas e montras de vidro de um prédio de cinco pisos acabado de construir há vários anos e abandonado pela Câmara de Lisboa na Rua de Ferreira Borges, em Campo de Ourique, foram partidas na semana passada, havendo sinais de que a vandalização alastrou ao interior do edifício. O imóvel, erguido no local onde se situava a esquadra da PSP do bairro, custou pelo menos 894 mil euros (valor da adjudicação da empreitada) e destinava-se a acolher um equipamento social, com valências para crianças e idosos.
As portas e montras do centro de dia abandonado foram partidas na semana passada (Foto: Daniel Rocha)
De acordo com o site da câmara, o equipamento ali construído pelo Departamento de Acção Social foi "inaugurado em 2008", destinando-se a "creche com capacidade para 35 crianças, centro de dia para idosos para 100 utentes e apoio domiciliário". O edifício, porém, nunca foi ocupado e no local ainda se encontra, caído no chão, o painel que informava a população acerca da obra e dos seus custos, bem como restos de materiais usados nos acabamentos.
A assessora de imprensa do presidente da câmara informou, por escrito, que no anterior mandato (o primeiro de António Costa) foram detectados "problemas com a execução da obra, nomeadamente com o empreiteiro". As duas partes, município e empreiteiro, chegaram entretanto a acordo sobre o contencioso que as opunha, tendo o imóvel sido recebido pela câmara "em fins de 2009". Segundo Luísa Botinas, "as chaves foram entregues em 2010 à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa conforme acordado entre o município e aquela instituição para efeitos de gestão deste equipamento."
Misericórdia "não tem chaves"
A ser assim, a responsabilidade pelo abandono actual do imóvel seria da Misericórdia, nada tendo a autarquia a ver com o caso. Sucede que o assessor de imprensa da Santa Casa, José Pedro Pinto, negou a versão do gabinete de António Costa, garantindo que a Misericórida "não tem as chaves do prédio" e não comunicou à câmara nenhuma decisão definitiva sobre a proposta informal que lhe foi feita para assumir a gestão do espaço - nada havendo acordado, ou protocolado, entre as duas entidades.
O porta-voz da Misericórdia explicou que no Verão passado os técnicos da instituição fizeram uma vistoria ao edifício da Ferreira Borges, concluindo que ele podia ser adaptado por forma a receber um centro de dia, mas não uma creche. O investimento necessário ascenderia, contudo, a 900 mil euros. Só que, frisou, ainda nada foi resolvido nem comunicado à câmara sobre o assunto.
Face a estas duas versões, o PÚBLICO ouviu o vereador do pelouro da Acção Social, Manuel Brito, mas este afirmou desconhecer a situação actual, embora tivesse a ideia de que seria, de facto, a Misericórida que iria gerir o equipamento abandonado. "Ainda tenho o pelouro da Acção Social, mas, na prática, desde há muitos meses que ele está nas mãos do senhor presidente", disse Manuel Brito, para justificar o seu desconhecimento do assunto. As tentativas feitas para obter mais esclarecimentos junto do gabinete de António Costa revelaram-se infrutíferas.
O presidente da Junta de Freguesia de Santa Isabel, João Serra (PSD), adiantou, por seu lado, que "esta é uma situação dificilmente compreensível" e que a vandalização do imóvel ocorreu na semana passada.
Câmara rejeita protocolo celebrado com a junta de freguesia
A construção do centro de dia e da creche da Ferreira Borges foi lançada no mandato de Carmona Rodrigues, embora fosse falada já no tempo de João Soares e de Jorge Sampaio. Em 2006, com a obra em curso, o então vereador da Acção Social, Lipari Pinto, e o então presidente da Junta de Freguesia de Santa Isabel subscreveram um protocolo através do qual o município cedia as instalações à junta para abertura de um berçário, uma creche, e um centro de dia para idosos, com refeições, tratamento de roupas e apoio domiciliário, entre outros serviços.
O actual presidente da junta, João Serra, que iniciou funções em Outubro de 2009, explica que o protocolo nunca chegou a ser concretizado e o executivo actual não o reconhece como válido. "Quando assumi funções interpelei formalmente a câmara sobre se o protocolo era concretizável e o director do Departamento de Acção Social respondeu-me que a câmara não o considerava juridicamente vinculativo." João Serra acrescentou que depois disso nada soube oficialmente e que, apesar de ter alertado os serviços camarários, que nada fizeram, "acabou por ser a junta a arranjar a calçada" danificada pelas obras do prédio da Ferreira Borges. "A câmara não executou o protocolo com a junta e não deu qualquer destino ao edifício", lamentou.
(in Público).
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