sábado, 8 de janeiro de 2011

O gamanço geral.





Património Aos poucos, pequenos grandes tesouros...
Tesouros à mão de semear
por ALFREDO TEIXEIRA

A Polícia Judiciária (PJ) recebe, actualmente, entre três e quatro mil denúncias de furto de azulejos por ano. Já chegaram a ser dez mil. Agora, o roubo de estátuas do espaço público é "quase inexistente", disse ao DN João Oliveira, da Brigada de Obras de Arte da Directoria de Lisboa da PJ. Mas, entre 2008 e 2009, registou-se um surto de cerca de 40 furtos na área de acção daquele departamento.

Em 2002 e 2006 foram dez mil os furtos de azulejos comunicados à PJ, quase exclusivamente na área da Grande Lisboa. Os dois picos, "sem explicação aparente", são a excepção num tipo de crime que estabilizou entre os três mil e os quatro mil roubos por ano. Os dados foram fornecidos ao DN por Leonor Sá, coordenadora do projecto SOS Azulejo, da PJ, e que tem como objectivos a "prevenção da criminalidade e a salvaguarda do património azulejar".

As estatísticas não incluem as chamadas "cifras negras", ou seja, aqueles roubos que não foram participados às autoridades e cujos números serão significativos. Na origem deste problema estará, de acordo com as fontes da PJ, a acentuada desvalorização do património azulejar por parte do cidadão comum, contrariamente ao que acontece no mercado, onde vale milhares de euros.

Também as estátuas roubadas, por exemplo de um jardim público, têm um valor avultado. João Oliveira disse ao DN que o montante é, de um modo geral, entre os 15 mil e os 80 mil euros. Neste tipo de furto, e dada a logística necessária para remover peças com grandes dimensões, os objectos já estão previamente encomendados e comprados. Por isso, são entregues ao comprador na "mesma noite" do roubo, normalmente em Espanha, explicou o coordenador.

Terá sido esse o caso dos bustos roubados em Julho de 2009 do Museu da Cidade e que foram recuperados o ano passado, em Mérida. Sorte diferente tem tido, até agora, a estátua do Chafariz do Boneco, no Lumiar, que continua desaparecida. No entanto, isso não significa que não venha a ser encontrada. "Nesta área criminal, não significa que, pelo facto de as obras não serem recuperadas num curto espaço de tempo, a investigação seja um fracasso. Algumas são recuperadas passados muitos anos", sublinhou João Oliveira.

O facto de ser um produto cada vez mais utilizado no fabrico de novas tecnologias, o bronze cativou, pelo preço que atinge no mercado negro, a atenção dos criminosos, que começam agora a "despir" estátuas de ornamentos, placas e letras. No Porto, os actos de vandalismo ocorrem um pouco por toda a cidade, mas é nos locais mais isolados e com menos iluminação que os roubos são praticados. Até já uma estátua completa foi levada da Praça de Lisboa.

Foi exactamente com o roubo de A Anja, escultura de José Rodrigues, em Dezembro de 2006, que a onda deste novo tipo de crime começou com forte incidência naquela zona da cidade, entre a Torre dos Clérigos e o Hospital de Santo António. "É uma pena ver o estado em que certos espaços públicos da cidade estão, nomeadamente ali no Jardim da Cordoaria, criado para ser uma zona elegante no século XIX e que com o passar dos anos ficou muito degradado. A intervenção feita em 2001, aquando da realização do Porto Capital Europeia da Cultura, levou á sua total descaracterização", explica Germano Silva, jornalista e historiador da cidade.

António Nobre, autor do Só, nasceu no Porto em 1867 e está imortalizado no monumento colocado junto à Rua do Carmo, frente ao Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. A obra pertence ao escultor Tomás Costa e assenta num pedestal que agora está despido. Os tufos de flores, os ramos de louros, as coroas de rosas e uma lira, tudo de bronze, desapareceram. "Eram ornamentos que mais não eram que uma simbologia à poesia do autor e tudo foi roubado", acrescenta Germano Silva. Os actos de vandalismo contra a memória de António Nobre não ficam por aqui. A casa onde o poeta morreu, em 1900, na Avenida Brasil, na zona da Foz, já não tem a inscrição alusiva. O edifício está também degradado. Chegou-se a pensar em ali colocar toda a colecção de António Nobre, mas continua guardada na Câmara do Porto.

Também o atelier Casa-Oficina de António Carneiro, que se dedicou sobretudo à pintura de retrato, está ao abandono. Considerado o "retratista das almas", morreu em 1930 na rua que tem o seu nome, a casa onde viveu os seus últimos anos foi transformada em museu mas encontra-se fechada e ao abandono. Já foi vandalizada e a placa de bronze da fachada, roubada. Não muito longe deste local, a placa de bronze da estátua a Ramalho Ortigão desapareceu.

O coração de D. Pedro IV encontra-se na Igreja da Lapa. Foi essa a intenção do monarca quando morreu no Brasil, onde instaurou a independência. Na Praça da Liberdade, em plena sala de visitas da cidade, a estátua do escultor Célestin Anatole Calmels e o pedestal, da autoria do arquitecto Joaquim Costa Lima, não deixam de impressionar pela sua dimensão. Inaugurada em 1866, pesa cinco toneladas e tem cerca de dez metros de altura. A cavalo, o rei segura na mão direita a Carta Constitucional de 1826. No pedestal duas cenas da vida do monarca em baixo relevo sofreram já, por duas vezes, com os actos de vandalismo. Os originais eram de mármore e foram destruídos, substituídos mais tarde por outros de bronze. O conjunto escultórico sofreu obras de restauro em 2007 no âmbito do programa municipal "Porto com Pinta". Os baixos relevos foram resguardados com panos pretos e toda a estátua coberta por andaimes com publicidade ao produto que financiou o restauro. Surpresa das surpresa, quando os painéis foram retirados, assim como os panos pretos, no acto de inauguração, as placas de bronze tinham desaparecido.

Da Baixa seguimos para o Horto das Virtudes, zona verde em pleno Centro Histórico do Porto. É lá que se encontra a Flora, uma escultura de Teixeira Lopes, filho. O monumento está ali colocado, desde 1904, em memória de José Marques Loureiro, o criador do Horto das Virtudes, e uma imagem feminina assenta sobre uma base em granito. O medalhão com a efígie do homenageado foi roubado.

"Quem zela por este património é a Câmara do Porto, porque a maioria destas obras de arte está no espaço público e municipal. Assim que é detectada uma falha nos conjuntos escultóricos, essas peças deviam ser substituídas", diz Germano Silva. O DN contactou a autarquia no sentido de se perceber como é gerido este património mas não obteve resposta. Por seu lado, a PSP diz que só pode actuar em flagrante delito. Fonte do Comando Metropolitano afirma que "regista todas as denúncias de moradores". No mercado negro para ser fundida, uma letra de bronze pode chegar aos dez euros.

(in Diário de Notícias).

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