terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Diários de Viagem.



Diários de viagem

Que Lisboa andaram eles a desenhar?
Deram-lhes os cadernos com a medida exacta, um ponto de partida e um de chegada. O resultado é agora um livro,Diário de Viagem em Lisboa, conjunto de "apontamentos urgentes, quase irreconhecíveis" desde sete pontos da periferia até às sete colinas da cidade. Por Cláudia Sobral

O que têm em comum dois desenhos do Marquês de Pombal, em Lisboa? Nada, dir-se-ia ao olhar para os desenhos de José Louro, coordenador de uma pós-graduação em diários gráficos no IADE, e do arquitecto Filipe Leal Faria em Diário de Viagem em Lisboa (22,90 euros), lançado este mês pela Quimera Editores.

Para o geógrafo João Seixas, que escreveu um ensaio para o livro, o interesse do livro está no ampliar e redimensionar o "mito urbano" das sete colinas. "Eles fazem um percurso da periferia até cada uma das míticassete colinas de frei Nicolau e transmitem uma mensagem: a cidade não é apenas uma colina, um lugar, um miradouro. Outra grande dimensão do livro é olharem para Lisboa de uma forma que não costuma ser olhada: olham para ela através das cores, do sol da chuva, do vento", diz Seixas.

José Louro desenha a caneta, com partes a aguarela. Há muito espaço vazio, os desenhos, diz, "são uma espécie de apontamentos, quase que inacabados, que deixam pistas", que as pessoas podem depois completar. "Se o desenho de rua não for rápido já não é um apontamento, é outra coisa", sustenta.

"Sete colinas, sete desenhadores", lê-se na capa deste livro bilingue (o título inglês é Lisbon Sketchbook). A cada um dos desenhadores foi atribuído um percurso desde um ponto da periferia da capital até uma das sete colinas.

Entre o início e o final, cada um passeou e desenhou o que quis. Porquê uma corda com roupa estendida? Porque o percurso de Pedro Cabral, coordenador do blogue Bonecos de Bolso, terminou na Calçada Nova do Colégio, um lugar diferente dos bairros novos, com "as roupas estendidas, as janelas abertas, os cheiros que saem cá para fora, as pessoas sentadas nas escadinhas", descreve.

"O engraçado é sentir que se fosse hoje os desenhos seriam diferentes porque Lisboa tem sempre coisas para contar. São sempre as nossas sensações a passar num sítio em determinada altura que ficam registadas", diz o co-autor João Catarino, professor de ilustração da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL).

A ideia de transformar sketchbooks (cadernos de esboços) de sete desenhadores num livro surgiu naturalmente. "Encontramo-nos para desenhar às vezes [pertencem aos Urban Sketchers] e achámos engraçado fazer um projecto conjunto sobre a cidade onde vivemos", conta Eduardo Salavisa, desenhador que organizou este livro, que é o número dois de uma colecção de diários de viagens em cadernos de esboços. O primeiro, lançado ao mesmo tempo que o de Lisboa, é Diário de Viagem em Cabo Verde. Ainda não se sabe por que terras se viajará no terceiro. "A ideia é continuar com outros autores, com outras viagens", diz Salavisa."O engraçado destes desenhos é que são captações do momento e que estão de acordo com o desconforto dos lugares: com mais ou menos tempo, mais ou menos conforto", acrescenta Catarino.

Muitos queixaram-se das dificuldades causadas pelo calor - grande parte dos desenhos foi feita no Verão, apesar de os primeiros serem de Março. Num dos seus apontamentos, Richard Câmara, professor da FBAUL e do Istituto Europeo di Design, instituição italiana com filial em Madrid, escreveu numa página manchada de laranja e vermelho: "O calor aperta... São 9h50. Desenhei o enfiamento da Praça de São Paulo de pé e depois sentei-me para captar três senhores sentados à sombra de uma árvore." Tudo isto faz parte da tarefa de se desenhar nestes cadernos.

"Quando revejo estes desenhos" - lê-se na nota de Louro que antecede os seus trabalhos -, "lembro a pressa de fixar o todo que tinha à minha frente. São apontamentos urgentes, quase irreconhecíveis." Os seus desenhos serão dos mais rápidos - com o mais rápido terá gasto apenas cinco minutos. "Gosto de virar a página e de não voltar mais ao desenho", diz. Já o ilustrador Pedro Fernandes precisou de seis horas para completar um desenho da Sé - todos os pormenores incluídos.

Diário de Viagem em Lisboa termina com um desafio ao leitor: "Agora é a sua vez de ser desenhador em Lisboa. A pé ou de transportes públicos, aproveite para se perder e descobrir uma nova cidade." E há um mapa de Lisboa, em branco, para que cada leitor possa criar o seu percurso.

(in Público).

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