terça-feira, 19 de outubro de 2010

Que burrada.





Reabilitação
Casa de São João de Brito vai ser recuperada para sem-abrigo
Por Cláudia Sobral

Gabardina clara, pasta volumosa, escura e guarda-chuva verde empunhado. Paulo Freire Moreira, presidente da Associação dos Amigos de São João de Brito, espera no Largo Rodrigues de Freitas. "Desde a altura de Santana Lopes que isto está assim" - e aponta para um edifício ao fundo, depois das árvores, envolvido em andaimes. O imóvel será transformadonuma "casa de capacitação e reinserção de sem-abrigo". É a casa onde nasceu São João de Brito, jesuíta, e que morreu mártir na Índia.
Imóvel classificado, do séc. XVII, esteve à venda para ser hotel de charme.

A luta de Paulo Moreira e da associação tem sido por este prédio, conhecido como antigo Museu da Marioneta ou - numa formulação mais complicada - edifício dos Passos do Senhor da Procissão dos Passos da Graça. A Câmara de Lisboa, que anunciou o destino desta casa na semana passada, não adiantapormenores em relação ao futuro deste imóvel. Por escrito diz ao PÚBLICO que "a experiência que se está a desenhar" para aquele edifício "procura ser um exemplo de boas práticas na inserção das pessoas sem-abrigo".

A autarquia tem actualmente protocolos com três centros de acolhimento de pessoas sem-abrigo. Na capital havia, em 2000, 1366 pessoas sem-abrigo. Mais de metade dormia em centros de acolhimento e quase um terço em espaços abertos. Os dados são antigos mas são os que constam doPlano Cidade para a Pessoa sem Abrigo de Lisboa, aprovado em Maio do ano passado. Em 2007, as equipas de rua da câmara identificaram 1187 pessoas sem-abrigo.

Quanto ao projecto, a câmara assegurou que os requisitos exigidos serão cumpridos. O edifício em causa está classificado como de interesse municipal, é abrangido por duas zonas de protecção e uma de protecção especial e pela área de intervenção do Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria. Além disso, localiza-se numa área de potencial valor arqueológico.

Ainda em Agosto, o director municipal de Acção Social da Câmara de Lisboa, João Wengorovius Meneses, também presidente da TESE Associação para o Desenvolvimento, referiu, no espaço de opinião do PÚBLICO, o projecto - e nesse texto adiantou mais do que a câmara quer dizer agora. Escreveu que algumas das pessoas sem-abrigo deverão participar "voluntariamente" nas obras do edifício, "como forma de requalificação profissional e inserção social".

Junta prefere museu

A presidente da Junta de Freguesia do Socorro, Maria João Correia, que diz ainda não ter sido formalmente avisada e considera que esta não é a solução mais favorável para uma freguesia com as características que tem a do Socorro. "Um museu, por exemplo, traria muito mais dignidade ao edifício, até porque a freguesia tem muito poucos espaços culturais, mas é muito visitada por turistas", afirma. "Mas se a situação encontrada foi essa, prefiro-a à não recuperação. E aqui os receberemos de braços abertos."

Há dois anos, a câmara quis alienar em hasta pública, com uma base de licitação de pouco mais de 1,5 milhões de euros, juntamente com outros cinco edifícios e palácios, que seriam depois recuperados e transformados em "hotéis de charme". Uma solução que a associação sempre considerou não ser a mais adequada. O projecto acabou por ser pela assembleia municipal.

A história deste lugar, que Paulo Moreira mostra e descreve - da rua, porque não se consegue entrar - é longa. Construído no século XVII, foi afectado pelo terramoto de 1755. Por isso "não é exactamente como na altura em que nasceu São João de Brito", adverte repetidamente. A parede que menos sofreu foi a da direita, virada para a Costa do Castelo, porque, diz o presidente da associação, assenta sobre a muralha. Reconstruíram o que ruiu. E assim foi sobrevivendo, ao longo dos anos.

Chegou a ter como inquilino o Museu da Marioneta, que acabou por se mudar para o Convento das Bernardas, em 2001, dada a degradação do edifício já na altura. As lojas do rés-do-chão já abandonaram o edifício - numa das três entradas térreas ainda há autocolantes que são vestígios de um café. Resta uma pequena oficina, com paredes de garagem, mas com o chão ladrilhado a azulejos que já são de outra época. Um homem que se identificou como "representante da gerência" deu a entender que conhece os pormenores do projecto que a câmara tem para aquele lugar, mas recusou-se a prestar declarações.

Do lado da Costa do Castelo (as lojas são viradas para o Largo Rodrigues de Freitas) há uma pequena capela, inacessível desde que foram colocados os andaimes, que era paragem da procissão do Senhor dos Passos. E foi deste lado que nasceu o santo, segundo Paulo Moreira.O destino que a câmara quer dar ao edifício não vai de encontro às aspirações da Associação Amigos de São João de Brito, que preferia a criação de uma casa-museu - proposta que coincide, aliás, com uma recomendação aprovada em 2005 por unanimidade na assembleia municipal. Além disso, a associação defende o arranjo do jardim do largo e que aí se coloque uma estátua do santo. "Estou na expectativa", afirma Paulo Moreira, que considera compatível a criação de uma casa-museu no rés-do-chão com o projecto camarário de uma casa de capacitação e reinserção de sem-abrigo.

Neste momento, não há espólio para esse museu, mas o importante, ressalva Paulo Moreira, é "dignificar a memória" do santo, com a criação de um espaço "de cultura e de fé".

(in Público).
.
Nota Lisboa SOS: esta medida é uma idiotice pegada. Claro que não irá para a frente, e só isso nos tranquiliza.
Vamos lá ver:
1º - um imóvel do século XVII, que esteve para ser um hotel de charme, é agora transformado num albergue para sem-abrigo?
2º - nada temos contra os sem-abrigo, mas não percebem que ali é o coração turístico de Lisboa?
3º - que o que se deveria fazer era reabrir a porta do Castelo (fechada, inexplicavelmente) e o eixo Largo das Portas do Sol-Calçada da Graça, para animar a zona e limpá-la da marginalidade e da degradação?
4º - que isso ainda vai acentuar mais o feníomeno de progressiva «subida» de marginais e toxicodependentes da Mouraria para a zona do Castelo, que se vem verificando?
5º - Um espaço que poderia ter artes, religião, cultura, fica assim, semi-degradado?
6º - não foi uma estupidez mandarem para a Madragoa o Museu da Marioneta quando ali, no eixo Castelo-Portas do Sol-Miradouro da Graça, estaria muito mais visível e acessível aos turistas?

Sem comentários: