Caro Lisboa SOS,
Vi o vosso blogue e tive vontade de partilhar convosco a minha opinião sobre os graffitis que pululam na cidade:
1. Os recentes avanços da neurologia, da biologia, da psicologia e de outras áreas ligadas ao conhecimento do funcionamento do cérebro humano, têm vindo a comprovar aquilo que a experiência pessoal e a história colectiva já nos indicavam. A condição humana deve-se tanto à sua genética, como ao ambiente em que se desenvolve. A forma como o cérebro humano se desenvolve, desde a tenra idade até à idade adulta, é permitido tanto pelos genes que gerem e programam o funcionamento da vida humana, como pelo uso que lhe é dado. Ou seja, a plasticidade cerebral que caracteriza o ser humano permite-lhe que o cérebro se transforme consoante aquilo que aprende. Há inúmeras experiências de neurologia que demonstram como muda o cérebro humano consoante a aprendizagem a que é submetido. Há um estudo clássico com animais, os pobres gatinhos que em criança tanto gostamos, que revela que se à nascença lhes for vedado um olho, quando este é destapado os gatinhos se revelam “cerebralmente” cegos; ou seja, mesmo que funcional e biologicamente o olho não tenha problemas, as partes do cérebro do gatinho que deveriam processar a informação visual, pura e simplesmente não foram estabelecidas. O mesmo se passa com os humanos. Há relatos médicos de situações análogas, criadas por infortúnios normalmente fruto de acidentes.
2. Estes conhecimentos revelam aquilo que já aprendêramos (alguns) com tantos anos de história humana: somos portugueses porque assim somos ensinados a ser, chineses, britânicos, etc. O que o resultado das teorias eugénicas nos revelou na prática, que éramos todos iguais na diferença, são agora comprovados pelos métodos que chamamos científicos. Sem guerras e sem sofrimentos (com excepção dos gatinhos e dos infortunados acidentados).
3. O ambiente a que somos sujeitos tolda e molda a forma como pensamos, reagimos e sentimos o mundo. A mesma vaca a atravessar a rua não é a igual para um indiano, um escalabitano ou um cabo-verdiano (habituado que está a vê-las comer pedras no meio das acácias ácidas). Enquanto passamos pela tenra idade, o nosso cérebro é extremamente plástico; absorve tudo, numa situação que alguns médicos e psicólogos apontam de “consciência plena”. As crianças estão constantemente alerta de tudo quanto se passa em torno delas. Não são capazes de escolher com facilidade para onde dirigir a sua atenção. Absorvem praticamente tudo. À medida que envelhecemos, os nossos cérebros vão diminuindo a plasticidade, fechando circuitos neuronais que são pouco utilizados e fortalecendo os mais utilizados. Partes ligadas à especialização e ao controlo da consciência e da atenção desenvolvem-se. Se não ouvirmos música ao longo da infância,
dificilmente poderão os nossos cérebros, mesmo que geneticamente predispostos sejam, levar os nossos dedos a tocar harpa ou piano. “Burro velho não aprende línguas”. Um passeio pela praia do Tarrafal, na ilha de Santiago, pode revelar-nos, numa experiência pessoal vívida, o que a ciência nos ensina: como podem os tarrafenses gostar de estar numa praia com tanto lixo empilhado mesmo ali ao lado? (Note-se que a mesma experiência se pode viver, sem custos de passagens aéreas, junto a Alcochete numa das praias do Mar da Palha). Eles nem sequer reparam no lixo, sempre ali esteve, em maior ou menos quantidade (antes da abertura da mercearia com sacos de plástico), pelo que o cérebro não regista qualquer pensamento ou sentimento de alerta. É a normalidade, a vaca a comer pedras. As crianças são mais conscientes a isso que os adultos. Só não lhe dão um valor “moral”.
4. O que se passa com o lixo, passa-se com os graffitis. Se eles por ali andam e por ali permanecerem, os adultos de amanhã não darão por eles. O mesmo podemos aferir dos buracos nas ruas, dos jardins mal cuidados, dos tracejados inexistentes nas estradas, enfim, da falta de organização. Os nórdicos não dão mais valor ao colectivo que os mediterrânicos só por causa do frio. É porque o cérebro de cada um é moldado de acordo com ambiente em que cresceu. Enfim, os lindos prédios de Lisboa, que vão caindo sem que um terramoto os atinja, vão sendo substituídos por terríveis construções modernas, sem que os camarários vereadores percebam que a capital lusa é a única da Europa que desbarata o seu património arquitectónico… como outros não reparam que as vacas não comem pedras.
5. Por tudo isto, é a educação (e talvez a genética num futuro muito próximo) o garante de dias melhores para a humanidade. E para os lisboetas. Sem graffitis, sem lixo e, quiçá, sem guerra. Não é isso que a experiência europeia parece querer ensinar?
Cumprimentos
Pedro Marinho
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