segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Pequeninos, mas organizados.





Esperar horas por 15 minutos romanos
por ISALTINA PADRÃO

Milhares de pessoas na fila para visitar galerias romanas que estão abertas só três dias por ano. Hoje é o último.

Já é um ritual. Desde a década de 80 do século XX, três dias por ano as Galerias Romanas da Rua da Prata, em Lisboa, são abertas ao público. A limitação de tempo e o facto da visita a este monumento da primeira metade do séc. I d.C. ser gratuita aguça a curiosidade e leva milhares de pessoas, nacionais e estrangeiras, a fazerem uma fila interminável para as visitar.

E é ver a desilusão nos rostos de quem passa três, quatro ou cinco horas a andar a passo de caracol e, no final, não consegue entrar naquele buraco no asfalto da Rua da Conceição (acesso às galerias) "porque por hoje terminaram as visitas". Para resolver este problema, quase todos são unânimes: "Se fosse a pagar, todos os interessados entravam. Assim, junta-se esta multidão." Há até quem sugira maior divulgação dos dias em que o espaço é visitável e que as entradas sejam feitas através de reserva em museus e outros locais culturais de norte a sul do País, "porque vem gente de todo o lado".

E vem mesmo. Uns tiveram sorte e viram o trabalho feito no subsolo pelos nossos antepassados na sexta-feira ou ontem, e outros prometem voltar hoje para a derradeira tentativa. De panfleto na mão para abrir o apetite, quem ontem "perdeu a viagem" leva um conselho da organização: "Abrimos por volta das 09.45, mas é melhor estarem aqui pelas sete da manhã." "Vamos tentar, dizem uns. "A essa hora, não", garantem outros.

Quem não hesitou em "acampar" junto ao acesso às galerias pelas três da manhã de ontem foi um grupo de estudantes de Arqueologia, que conseguiram ser os primeiros visitantes do segundo dia de entradas. "Estavam no Bairro Alto e decidiram fazer tempo até à abertura", informam os técnicos do Museu da Cidade que orientam as visitas. "Pode avançar o próximo grupo." E, um a um, 25 a 30 pessoas vão sendo "engolidas" pelo chão até às catacumbas, onde um arqueólogo os transporta para tempos que já lá vão.

"Estamos num criptopórtico", começa por dizer o arqueólogo António Marques, cujo "palavrão" proferido num compartimento rochoso e à média luz deixou expectante a plateia com pessoas de todas as idades. E o que é afinal um criptopórtico? O arqueólogo explica: "É uma solução de engenharia que os romanos adoptaram para fazer face aos problemas das construções da Baixa. Com a criação desta plataforma foi possível estabilizar os solos de forma a construir outros edifícios por cima."

Esclarecido, o grupo segue por um serpenteado de corredores estreitos e baixos que dão acesso aos vários recantos da construção que chegou a ser confundida com umas termas, dada a quantidade de água que emana. Água que "tem que ver com os níveis freáticos que correm no subsolo de Lisboa".

Apesar de nestes dias a água ser sugada, a Luísa Varandas - que, "finalmente", conseguiu o que não foi possível noutros anos: entrar - deram jeito os chinelos que levou calçados. Maria e Vera, mãe e filha, foram com "sapatos normais", mas os 15 minutos de visita soube-lhes a pouco e Maria vai tentar voltar. No final, Vera concluiu: "Fiquei com a ideia de que os romanos eram muito pequeninos, devido à altura dos espaços, mas organizados."

(in Diário de Notícias).

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