segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Sociedade Guilherme Cossoul: o princípio do fim.


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Casa onde Solnado começou obrigada a mudar de bairro
por CARLA BERNARDINO
Sociedade Guilherme Cossoul tem de abandonar as instalações históricas do Palácio dos Távoras.
Durante décadas, a Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul foi considerada o "Conservatório da Rua da Esperança". Foi ali, em Santos, que Raul Solnado deu os primeiros passos como actor e terminou a sua carreira como professor de teatro. Na data em que passa o primeiro aniversário da morte do humorista, esta associação com 125 anos vai ter de mudar para Campolide. É que o prédio onde está instalada pertence a privados, que pretendem rentabilizar este palácio que, segundo a Câmara de Lisboa, foi propriedade dos Condes de Aveiro, ou seja, os Távora.
A solução para evitar a erradicação total da Guilherme Cossoul ainda foi encontrada por Raul Solnado nos últimos anos de vida. "Ele sempre acompanhou o José Boavida [actor e presidente da colectividade] nas reuniões com a Câmara e batalhou muito para que a Guilherme Cossoul não saísse do palácio. Foi uma luta dele, porque foi lá que começou, mas agora há dificuldades", desabafa Joselita Alvarenga, ex-mulher do humorista que também trabalha no espaço. "Nós pedimos à Câmara de Lisboa a possibilidade de ficar, fazendo algumas obras, ou ficar noutro sítio perto. O presidente, António Costa, foi quem nos arranjou este novo espaço e o Raul ainda participou nas reuniões. Nós estávamos no olho da rua e poderíamos mesmo deixar de existir", recorda José Boavida. Raul Solnado ainda teve tempo de conhecer o novo local - a Escola Primária n.º 13, perto das Amoreiras - que considerou "interessante". 2010 é agora o ano limite para a despedida.
A iminência da saída da Sociedade Guilherme Cossoul do palácio já é uma história antiga, mas nada pode ser feito perante uma ordem de despejo, mediante a falta de pagamento de renda a proprietários privados. "É uma situação que se arrasta desde 2000 em que houve uma tentativa de despejo. Acabou por ser aumentada a renda para 350 contos mensais", começa por explicar ao DN o director municipal da Cultura, Francisco Mota Vargas. E segue: "Em 2006, a Câmara deixou de apoiar a Sociedade e eles deixaram de pagar a renda. Em Outubro de 2007 foram confrontados com a possibilidade de despejo e, no mês seguinte, a questão ficou resolvida com uma verba de 22 mil euros. No entanto, a situação com o senhorio não ficou clarificada e sofreram nova ordem de despejo em 2008."
O actual espaço foi encontrado em Fevereiro de 2009 e será lá que a associação tem morada garantida até 2018. Já a saída definitiva de Santos, está por meses. Porém, José Boavida avança: "Nós vamos ficando aqui enquanto pudermos e enquanto as obras em Campolide não estiverem todas concluídas."
É neste espaço que está albergada a escola de teatro Raul Solnado, criada pelo actor há quatro anos e que é dirigida por Joselita Alvarenga e pelo filho, Renato Solnado. "O José Boavida diz que podemos ficar lá até ao final do ano", adianta esta actriz.
Quanto ao futuro, a ex-mulher de Raul garante que a formação de actores vai continuar, só desconhece ainda o local. "É possível que nos mudemos para o novo espaço se houver lugar para nós. Se não, vamos procurar outro", diz, que também lamenta que a Sociedade Guilheme Cossoul termine o seu "reinado" na Avenida D. Carlos I.
Agora, o momento da saída é de tristeza. "Há o lado emocional, passaram por aqui tantos actores, encenadores, cenógrafos", enumera o presidente da colectividade. "Há uma grande nostalgia, são muitos anos e isto faz parte do coração da Madragoa. A Junta de Freguesia de Santos-o-Velho não queria que saíssemos daqui, mas não havendo outra solução, vamos continuar noutro sítio", declara o responsável.
Francisco Mota Vargas, director municipal da Cultura, defende: "O espaço anterior tem a memória, mas para a Câmara Municipal de Lisboa era importante dar as condições para que esta Sociedade pudesse dar continuidade ao seu trabalho e, hoje, é dado um apoio anual de 21 mil euros e fá-lo com a consciência de que é uma estrutura com uma mais-valia cultural em Lisboa que deve ser apoiada."
Manuel Cavaco, um dos actores que também começaram na Guilherme Cossoul, apelida todo este processo de "miserável". "Condói-me muito ver as coisas morrerem. É um sítio onde passei a minha infância até aos dez anos, foi lá que pisei pela primeira vez um palco, em que senti o que era o aplauso do público. Recordo-me do Raul Solnado, do Jacinto Ramos, do Varela Silva, do José Viana", desabafa o actor. Recentemente, Manuel Marques e Pepê Rapazote foram dois actores que deram os primeiros passos na representação neste palco.
(in Diário de Notícias).