segunda-feira, 5 de julho de 2010

E agora, José?



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Piso de terra batida estraga tardes a moradores do Príncipe Real
por CARLOS DIOGO SANTOS
Vereador diz que foi a melhor opção, mas pó invade bancos e comida nas esplanadas.
"Onde antes era alcatrão agora é terra batida." A frase repete-se em cada banco, em cada conversa, sempre em tom de desabafo. No Jardim do Príncipe Real, em Lisboa, a opção da câmara municipal em pôr um piso tipo Aripaq, vulgarmente conhecido por piso de saibro estabilizado, desagrada a comerciantes e moradores.
No jardim, os resultados da intervenção parecem ser assunto obrigatório das conversas de todos os que por ali passam ou estão habituados a usufruir do espaço. Alguns comentários surgem mesmo a meio dos jogos de cartas entre amigos. "Acho que vou perder… ele já ganhou!", irritado com o aproximar de uma derrota, Manuel Gonzaga aproveitou para exprimir o que sentia: "Isto dantes era melhor, agora estamos aqui e levamos com o pó na cara."
Mais ao lado, de costas para a Rua do Século, no passeio oposto ao do jardim, pode ver-se os raios de sol a incidir sobre o centro da praça. Um vulto escuro está perto da bomba de gasolina desactivada a observar o cenário. De óculos escuros, Fernanda Martins defende todas as alterações feitas. A mulher que garante passar ali com alguma frequência diz que o espaço ficou valorizado. "As pessoas criticam tudo, deviam saber aproveitar aquilo que têm e não deitar abaixo tudo o que se faz de bom."
Mas à sua volta, a imagem dos carros estacionados cobertos de pó branco dão força àqueles que, como Manuel Gonzaga, são mais críticos. No interior da praça, os bancos, cobertos de pó, são limpos constantemente com as roupas de quem lá se senta. Clara Pinto, frequentadora habitual do Príncipe Real, diz não compreender as mudanças. E queixa-se sobretudo do pavimento, "que deixa tudo sujo". Contudo, elogia o cuidado que a autarquia teve com a iluminação do local. "À noite está mais claro, porque eles puseram estes candeeiros, isso é muito bom", sustentou.
Dois dos quiosques do jardim têm já disponível um abaixo-assinado, que será enviado a António Costa, presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), pedindo "a correcção do pavimento". No documento, elaborado pelos moradores e comerciantes da zona, pode ler-se que a preocupação principal se prende com o facto de ter sido reconhecido publicamente que "um dos componentes desse piso é vidro reciclado, pelo que a inalação continuada daquelas partículas de pó tornar-se-á, até prova em contrário, um grave problema de saúde pública."
José Sá Fernandes, vereador da CML, assegurou ontem ao DN, que tudo foi feito a pensar no jardim e nos seus frequentadores. "Aquele piso foi recomendado, aprovado e elogiado pelo Igespar (Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico). O que acontece é que ele precisa de mais dois ou três meses para assentar", referiu o responsável, argumentando que "até agora só [tem] ouvido críticas positivas."
Apesar de haver ainda muitas reticências quanto ao abate das árvores centenárias, entre os moradores há já quem reconheça a importância da intervenção. "Acho que tudo está menos verde, mas reconheço que ficou um espaço mais amplo, o que pode ser importante para a segurança da população", disse Pedro Nóvoa, salientando que "o chão é o único aspecto que não me agrada parti- cularmente".
O vereador desvaloriza as críticas feitas ao pavimento e garante que a opção tomada não põe em causa a saúde de ninguém. "Este piso é muito bonito e a questão do pó é passageira. Temos o exemplo de São Pedro de Alcântara, foi colocado o mesmo piso e os resultados foram muito positivos", disse.
A verdade é que mesmo que se tente esquecer o pó que todos os dias cai nos pratos de quem almoça nas esplanadas do Príncipe Real, há ainda outras questões que os admiradores dizem não conseguir entender. "Não acredito que na situação actual de crise económica, esta intervenção no Príncipe Real fosse uma prioridade… até porque pouco se alterou", disse José Domingos, enquanto almoçava, sublinhando que os incómodos do pavimento não podem ser vistos como passageiros. "Se viesse agora um pouco de vento, o meu almoço acabava aqui, servia-me de algo saber que daqui a um tempo isso não acontece?"
(Diário de Notícias).

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