domingo, 21 de março de 2010

Dar tiros no Dia das Árvore.



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Desde o seu início, ao tempo de Duarte Pacheco, que o parque florestal de Monsanto tem sido constantemente alvo de tentativas de ocupação por estruturas e ou actividades contrárias à sua essência, muitas delas infelizmente concretizadas. Isto é: sempre que o Estado ou a Câmara Municipal de Lisboa (CML) pretendem instalar ou construir qualquer coisa para a qual não há terreno na cidade, usam Monsanto como "banco de terrenos". São exemplos disso a instalação do pólo universitário, a cedência de terrenos para cooperativas e outros equipamentos, o alargamento da Auto-estrada 5 ou a radial de Benfica, entre muitos outros casos.

Há poucos anos, houve a intenção de transformar o Aquaparque, um terreno também "roubado" ao parque, numa espécie de feira popular, empreendimento felizmente nunca concretizado graças à forte contestação popular, confirmada recentemente pelos tribunais, que deram razão à associação de moradores. Uma vitória da cidadania, mas uma vitória de Pirro. Também recentemente quiseram colocar a Feira Popular no Alvito e Calhau, transferir o hipódromo do Campo Grande para Monsanto, e mais uma série de projectos nunca concretizados devido à resposta imediata da população, a começar pela Plataforma por Monsanto, entretanto criada, mas também graças à capacidade de diálogo demonstrada pelo então presidente da CML, que não avançou com nenhum destes projectos enveredando antes por outros bem mais positivos e que inequivocamente valorizaram o parque, até então praticamente esquecido pela CML.

Contudo, a maior vitória de Monsanto nos últimos tempos foi há três anos, uma vitória, para muitos, mesmo impensável: a CML, por iniciativa do então vereador dos Espaços Verdes, e a contragosto de alguns nomes sonantes, não renovou o contrato com o Clube Português de Tiro a Chumbo, contrato cujos termos expiravam nessa altura. A CML foi então sensível a dois argumentos de peso: primeiro, a manutenção de tiro ao chumbo num parque florestal, embora sendo uma modalidade olímpica e de reconhecidos préstimos e popularidade, é todavia incompatível com um "pulmão verde"; segundo, o clube de tiro, estrutura ali instalada ao longo de décadas, viola todas as regras do parque e era a sua principal fonte de poluição ambiental e sonora.

Foi uma decisão sensata e corajosa da CML e, sobretudo, um sinal de mudança para uma cidade que se pretende seja do séc. XXI. E foi uma decisão importante em termos de defesa da qualidade de vida dos lisboetas e dos milhares de pessoas que frequentam Monsanto nas suas diversas vertentes, no que isso representou na qualidade do ar que ali se respira, pondo fim, por outro lado, à constante saturação dos solos na envolvente ao clube de tiro por impregnação de chumbos (situação visível a olho nu), e à "chuva" de chumbos que ameaça de tempos a tempos os transeuntes, muitas vezes crianças. A CML vinculava-se, pois, a negociar com o clube de tiro uma solução alternativa para a prática da modalidade, em Lisboa ou extramuros.

Mas eis que a reviravolta aconteceu, logo numa altura em que se comemora o Ano Europeu da Biodiversidade. A CML, sem que ninguém lho tivesse pedido, resolveu dar início a mais um ciclo de ameaças contra Monsanto, materializadas em projectos que, a serem concretizados, porão em causa o equilíbrio ecológico do parque e comprometerão irremediavelmente o seu futuro: a construção de uma nova subestação da REN (suportada, é certo, numa suspensão do PDM decidida pelo Governo), a iminente transferência do comando operacional dos bombeiros sapadores de Lisboa (actualmente na Av. de D. Carlos I) para o antigo restaurante panorâmico de Monsanto, com o mais do que previsível impacte negativo em termos de perda maciço arbóreo e aumento exponencial de trânsito de veículos automóveis numa zona de passeio; a construção de campos de "rugby"; e, espanto dos espantos, e dando o dito pelo não dito, revogar a sua própria decisão de há três anos de não renovar o protocolo com o clube de tiro, ao inverso, apostando agora numa renovação do mesmo, e por várias décadas.

A aprovação dessa renovação do protocolo com o clube de tiro significará não só um acto profundamente lamentável e cobarde, por representar a total cedência aos interesses instalados, como, e muito mais importante, significará também comprometer a cidade com uma atitude considerada pela generalidade dos europeus como incompatível com um espaço verde urbano.

As várias gerações futuras ficarão, assim, com um Monsanto cada vez mais poluído e perigoso, nos antípodas do que constituiu a sua razão principal de plantação. Fica o nosso protesto veemente por ocasião do Dia da Árvore [amanhã, 21 de Março].


Pelo Fórum Cidadania Lx: Artur Lourenço, Paulo Ferrero, João Pinto Soares, Carlos Moura, Luís Marques da Silva, Nuno Santos Silva e João Leonardo

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