quarta-feira, 18 de março de 2009

Lisboa, por um jovem poeta.

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Lisboa, são quinze horas e quarenta e dois minutos

e começo a acreditar que estou apaixonado por ti.

Um velho aproxima-se de mim no Metro

e oferece-me a eternidade num folheto, esse poema

concreto que apenas serve para cortar os pulsos.

Mesmo assim leio-o para não correr o risco de perder

a melhor peça poética escrita no ano perdido de 2008.

Nem imaginas o quanto amo os teus poetas e os seus versos

optimistas de quem passou o fim-de-semana a chutar

orquídeas para a veia.

As tuas prostitutas quase que são as melhores da Europa.

Ouvi isto a um dj, depois dele ter acrescentado à minha vida

a impressão de que o Cais do Sodré, ao som de Los Campesinos

(seguidos de Lightning Bolt), até nem é o pior sítio do mundo

para gastar 5 euros num Dry Martini.

Lisboa, Estação de Metro Baixa/Chiado sentido Telheiras,

já nem sequer é a hora certa do Cesariny e continuas tão fantástica.

Os teus olhos são como varandas que ignoram no Tejo essa

espécie de morte chamada transatlanticismo, o que em ti até

parece um sub-género de spleen alternativo adaptado à Graça.

Os teus bares são ocasionalmente infernos onde a modernidade

é discutida com toda a ironia que o tema merece. Os teus artistas

ainda não sabem o que é a política estética comum.

Lisboa, ARMANI já não se usa. Nunca se usou, a moda agora

é fazer da própria pele um cardigan e apertar todos os botões.

O Camões da estátua tem mesmo cara de quem se masturbava

a imaginar a Leonor descalça na verdura e eu gosto mais

dos poetas que não têm pudor em assumir isso.

Fodeu-te a vida o Ulisses e tens sorte de não ter mãe,

mas deve mesmo ter sido essa a intenção, para que,

como Ofélia, morresses pelas águas antes que fosse

facto público e notório que não és nada de especial na cama.

Lisboa, vou assinar uma petição para que os teus corvos

sejam substituídos por canários ou então por papagaios de papel

lançados ao vento do Tejo mesmo em frente aos Meninos do Rio.

O velho do Restelo agora escreve crónicas num blogue

e dá entrevistas à rádio a propósito de qualquer tema,

mesmo que seja o amor que nunca recebeu de uma mulher dez anos

mais nova e quarenta quilos mais magra.

Lisboa, o meu maior desejo é que um dia chova tanto

que eu possa sair do emprego e descer a Rua do Alecrim na minha prancha de surf.

Uma vez saí com uma rapariga que disse que gostava de passar

pela Praça do Comércio nos dias de chuva, porque isso lhe recordava Veneza.

Queres que eu seja o teu Thomas Mann ou o teu Joseph Brodsky?

Compreendo que não estejas satisfeita com o Fernando Pessoa

que era um menino da mamã e ainda por cima míope.

Lisboa, se a esplanada do Noobai tivesse canhões eu juro-te que afundava todos

os barcos que se aproximassem da Torre de Belém só para te proteger.

Sinto-me tão bélico a atravessar a Segunda Circular

que quase parece que viajo no tempo até ao annus mirabilis de 1974

e tenho vontade de atropelar todos os reaças que me aparecerem à frente.

Mas depois páro para beber uma imperial na Rua dos Fanqueiros

e recupero logo o meu orgulho de ser português.

Lisboa, és tu quem tem o coração do tamanho do salmo 119

de que fala o Tiago Guillul?

O meu coração também é grande e tem como cores o preto e o branco,

tal e qual a tua bandeira à qual me limpo

depois de foder com uma mulher bastante parecida contigo.

Devias ficar orgulhosa disso. Cedo vais voltar a ser uma menina

e eu sei exactamente quantas são as formas que tenho para te amar.

A Avenidade da Liberdade e a Mouzinho de Albuquerque são as pernas

que usarias se, por acaso, te quisesses levantar. Então, o teu sexo

há-de ficar algures entre o Intendente e a Rua de Santa Marta.

Um dia hei-de lá ir para te pôr a Colina do Castelo a tremer.

Lisboa, posso comparar-te a um dia de tempestade,

embora os teus olhos não se pareçam nada com um relâmpago?

Teria escrito Klopstock!, mas ouvi dizer que não

és grande especialista nas subtilezas da literatura germânica.

Eu já me habituei aos teus cabelos cinzentos, aos teus pequenos jardins

construídos em redor do peso inconstante da glória. Não te preocupes,

a glória é a puta duma catástrofe.

Lisboa, tenho quase a certeza que a verdadeira tragédia da Rua das Flores

é não encontrar aí um lugar para estacionar o carro numa sexta à noite,

ou ficar sem cigarros e a miúda mais bonita da noite tentar cravar-me um.

Lisboa, este poema tem que acabar aqui porque são

duas da manhã e daqui a pouco já vai haver fila para entrar no LUX.
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(David Teles Pereira)
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