Uma parcela da praça fora recortada, abrindo espaço a mais um automóvel. Mas um grupo de moradores não gostou e agora lá estão 18 metros quadrados de relva fresca. Eis uma nova forma de ocupação cívica do espaço público em Lisboa.
Foi preciso uma noite inteira de trabalho, entre sábado e domingo passado, para um pequeno grupo de cidadãos materializar esta forma de protesto. Dias antes, a Câmara Municipal de Lisboa havia removido um ecoponto que estava num canto da Praça das Flores, na freguesia das Mercês, junto a uma esplanada. Os contentores eram dos que ficam enterrados e, segundo a câmara e os próprios moradores, constituíam um foco de atracção de lixo de toda a espécie.
Ao invés de restituir o espaço à praça, a autarquia optou por uma alternativa que não agradou a toda a gente: a área dos contentores foi transformada num lugar de estacionamento – um recurso escasso naquela zona da cidade.
Em poucos dias, o pavimento começou a ceder com o peso das viaturas, criando-se grandes buracos. O lugar foi vedado para obras e foi nessa altura que João Pedro Barreto, 33 anos, professor do Instituto Superior Técnico, resolveu agir. Contactou um grupo de pessoas dispostas a repartir os cerca de 100 euros que custaria o protesto e avançou. “Comprámos a relva e fomos lá de madrugada plantá-la”, afirma.
Duas placas no local informam das razões do protesto, uma delas com uma mensagem simples, dizendo que aquele espaço “pertence às pessoas” e não a um automóvel com um único ocupante.
O mini-relvado surpreendeu os moradores. “Como é que eu não vi isso antes?”, reagiu Ricardo Sobral, dinamizador do blogue “Bicicleta na cidade”, ao sair de um supermercado numa das esquinas da praça, no final da tarde de segunda-feira.
“Isto está seguro?”, perguntava, na mesma altura, Mariana Miranda Calha, que tinha antes reparado nos buracos do lugar de estacionamento. “Acho muito bem, fica bonito assim”, afirma agora. Mas não é tudo. Naquele bairro, como noutros em Lisboa, a recolha de lixo porta a porta está a criar grandes problemas, com muitos moradores a deixarem os sacos durante o dia todo na rua, quando só serão recolhidos à noite.
O ecoponto também era um destino desta prática. “O contentor era uma vergonha”, diz Mariana Calha. “Quando tiraram o ecoponto, achei que era boa notícia”, completa João Barreto.
Para a Câmara de Lisboa, remover o ecoponto era o objectivo principal – no âmbito de um plano para reduzir apenas aos vidrões os contentores de reciclagem na maior parte da cidade até 2013, ficando o resto abrangido por recolha porta-à-porta. “Não fazemos questão que aquele espaço seja um lugar de estacionamento. Se for da vontade dos moradores que seja parte da praça, estamos disponíveis para analisar o assunto”, afirma João Camolas, assessor de imprensa do vereador José Sá Fernandes, que tem o pelouro dos espaços verdes.
Ocupar lugares de estacionamento não é novidade. Muitos lisboetas já participaram da iniciativa mundial “Parking Day”, em que grupos de pessoas pagam o preço do parquímetro por algumas horas e utilizam o lote de parqueamento para outras actividades. O próximo “Parking Day” é no dia 21 de Setembro.
No caso da Praça das Flores, no entanto, a ocupação é mais permanente. Mas por pouco, o relvado não morre à nascença. “Terminámos de colocá-lo às 6h da manhã e às 8h acordaram-me dizendo: ‘Estão a tirar a relva’”, conta João Barreto. Na verdade, era uma empresa de construção civil, que viera arranjar os buracos do lugar de estacionamento. Antes de nivelar e consolidar o terreno, os trabalhadores retiraram cuidadosamente cada placa de relva e depois amontoaram-nas de modo ordenado no local, permitindo a sua rápida reposição.
Agora, apesar da sua dimensão, a micro área verde já está a atrair os utentes mais imediatos de um jardim: em meia-hora, na segunda-feira à tarde, viram-se pelo menos duas crianças a brincar na relva e um cão prestes a dar-lhe uso sanitário (Público).
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