sábado, 14 de abril de 2012

Adeus, Dona Rosa.



Por Carlos Filipe in Público
Gente nova irá habitar a casa apalaçada do coração de Alfama, que há dois anos, em apenas um mês, sucumbiu a derrocada e a incêndio. Os inquilinos já ali não têm lugar, apenas levam a indemnização
Após mais de dois anos a viverem em residências de emergência, disponibilizadas pela Protecção Civil municipal, quase todas as 11 famílias arrendatárias do Palácio Dona Rosa, em Alfama, Lisboa, já deixaram de o ser, indemnizadas pelos proprietários do imóvel, que em Fevereiro de 2010 ruiu parcialmente e que um mês depois um incêndio tornou definitivamente inabitável. São mais de 30 pessoas que já não voltam ao bairro onde sempre viveram, à casa onde alguns nasceram. Estão desoladas.A intimação camarária para a realização de obras de conservação não foi acatada pelos proprietários do imóvel. A Câmara de Lisboa tentou adquirir o edifício, mas não terá chegado a acordo com os donos. Subitamente, em Fevereiro deste ano, os proprietários acordaram as rescisões dos contratos de arrendamento. "Apareceu um investidor para o imóvel, que o vai recuperar. A câmara acompanha o processo, e tem a garantia que os proprietários darão condições de alojamento aos seus arrendatários", disse ao PÚBLICO a vereadora Helena Roseta.Silvina Antunes abriu os olhos para Alfama há 55 anos. Nasceu naquela casa apalaçada, cresceu e brincou no curso da Rua dos Remédios, casou e há 16 anos ali voltou para viver com a mãe, Alzira Ferrão. Levou da casa uma cama e um guarda-fatos e diz não saber agora onde irão viver. Diz que a mãe, de 71 anos, está psicologicamente afectada para prosseguir a vida em outras paragens.Propuseram-lhe uma casa em Castanheira do Ribatejo, ou em Queluz, que recusaram. Aceitaram uma indemnização de 20 mil euros dos proprietários - que nunca conheceram, com quem nunca falaram, mas apenas com o advogado que os representa. E sente-se magoada. "Se fosse agora não teria aceite. Já procurei habitação aqui no bairro, mas pedem-me 600 euros por mês. Aquela indemnização nem para três anos dá", lamenta.Conceição Guimarães viveu ali 17 anos com o marido, António José. Tem três filhos. Sente-se discriminada, e mostra o último talão de depósito da renda, do mês passado - todos a pagaram nos últimos dois anos -, mas cuja entrega foi recusada. Diz não saber o que se passa, especialmente por que lhe disseram que também iria ser indemnizada. E se lhe ofereceram casa em Castanheira do Ribatejo ou em Queluz, quer dizer que tem direitos.Permanece ainda na Quinta do Ourives, na Madre de Deus, nas casas da Protecção Civil, que ainda todos acolhe até encontrarem alojamento, e confia no que lhe prometeram e na ajuda da advogada da Junta de Freguesia de Santo Estêvão (Alfama) e da sua presidente, Maria de Lurdes Pinheiro.Sabe, contudo, que Alfama já a recusou, que ali não voltará, mesmo que todos conheça, nas mercearias, nos cafés, ao longo da rua. Visita o prédio em ruínas e não disfarça a emoção: "Isto era tão lindo..."
"Se pudesse rasgar"..."
O apoio da Protecção Civil tem sido muito bom. No meio desta desgraça, foi a única coisa boa que nos aconteceu, e nem tinha que nos alojar este tempo todo. Eles, e a junta de freguesia têm sido os nossos únicos apoios. Mostraram-nos uma maqueta muito bonita, no ano passado, projecto de recuperação da câmara, e até apareceu o arquitecto. Julgávamos que iríamos voltar", conta Silvina Antunes, que acrescenta: "Mas os proprietários jogaram com o facto de sermos gente humilde. Alguns pensaram que era uma fortuna aqueles 20 mil euros. Chamaram cada família - ofereceram igual quantia a todos - e disseram que uma casa estaria fora de questão. Se eu pudesse rasgar hoje tudo o que assinei, rasgava".
O advogado Pedro Feldner, que negociou com as famílias, escusou-se a quaisquer esclarecimentos sobre o assunto, alegando não estar mandatado pelos seus clientes para o fazer. A vereadora Helena Roseta, que acompanhou o processo, explica que este está agora a cargo do vereador Manuel Salgado. As informações solicitadas ao gabinete do vice-presidente da câmara também não foram satisfeitas.
Segundo disseram ao PÚBLICO Helena Roseta e o arquitecto Frederico Valsassina, autor do projecto de reabilitação que em Maio de 2011 foi anunciado pela autarquia como salvaguarda para o regresso dos residentes às suas casas - e que será aproveitado pelo investidor -, o Palácio Dona Rosa vai mesmo recuperar a aura de outrora. Pelo menos, por fora, manterá a sua traça original. E terá edificação acrescentada, com aproveitamento de terreno municipal anexo, para habitação destinada a casais jovens, a preços controlados.
In Público.

1 comentário:

Miguel Jorge disse...

"recuperar a aura de outrora. Pelo menos, por fora..."
O fora não interessa a ninguém se não acompnhar o dentro.O dentro dos edifícios portugueses é que interessam mais pelas características únicas que encerram e que quando se perdem é a história da arquitectura e das artes decorativas que fica mais pobre.Assim com esta maldita política de fachadas lisboa está condenda a ser uma cidade de far-west com fachadas mas sem miolo.Sem o inerior de azulejos, dos estuques, das madeiras,dos tetos pintados, dos frescos, enfim...