sábado, 10 de março de 2012

«Lisboetas», de Tréfaut, na TV!



sinopse

Lisboetas é um documentário político sobre a vaga de imigração que nos últimos anos mudou Portugal.

Lisboetas é o retrato de um momento único em que o país e a cidade entraram num processo de transformação irreversível.

Lisboetas é um filme que rejeita o habitual tratamento jornalístico e aborda a experiência humana dos imigrantes da grande Lisboa de um ponto de vista cinematográfico.

Lisboetas é uma janela secreta sobre novas realidades: modos de vida, mercado de trabalho, direitos, cultos religiosos, identidades. É uma viagem a uma cidade desconhecida, a lugares onde nunca fomos e que estão aqui.

Lisboetas é um retrato por dentro. A palavra é dada aos recém chegados. Talvez por isso, como escreveu a crítica do “Público” Kathleen Gomes, “os estrangeiros aqui somos nós”.

Lisboetas não é um filme dogmático, mas é um filme incómodo e que deixa muitas questões em aberto - por que é difícil avaliar o quanto tudo mudou e ainda pode mudar.



personagens e situações




SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
É o local por onde todos os estrangeiros têm de passar para se poderem legalizar.
– O senhor fala português, sim ou não??
– O que é que esteve a fazer tanto tempo na Ucrânia?







CAMPO GRANDE – MERCADO DE TRABALHO
Todas as manhãs os empreiteiros da construção civil procuram mão de obra barata para as necessidades do dia ou do mês…
– Quanto paga, mais ou menos?
– Não sei. Primeiro ver, depois pagar. Precisa ver e depois dizer : tu mereces tanto. Quer, quer… Não quer...



AULA DE PORTUGUÊS NA IGREJA UCRANIANA
Nas aulas aprendem-se a conjugar verbos com utilidade prática:
– Eu fui aldrabado; tu foste aldrabado, ele foi aldrabado…





MÉDICOS DO MUNDO
Uma carrinha circula todas as noites por Lisboa para prestar apoio médico aos sem abrigo. Grande parte são ucranianos.
– Profissão?
– Piloto de aviões.







CARTAS ÀS RADIOS E JORNAIS
Jornais e rádios de várias comunidades estrangeiras em Lisboa recebem diariamente cartas dos leitores.
– No banco disseram-me que como estrangeira não posso ter livro de cheques. A verdade é que gostam do nosso dinheiro, mas de nós, não!






SALA DE ORAÇÕES DO MARTIM MONIZ
Além de uma Grande Mesquita, Lisboa tem outras salas de orações muçulmanas, em andares de edifícios populares.
– Graças a Alá Todo Poderoso...que nos trouxe hoje aqui, à rua do Benformoso, Martim Moniz, Socorro...depois de 500 anos, vamos comemorar outra vez, aqui, o dia de Juma…



COLÓNIAS DE FÉRIAS
Na antiga URSS as crianças passavam parte do Verão em colónias de férias. Agora, ucranianos e russos tentam organizar para os filhos algo equivalente na Costa da Caparica.
– Quando o meu pai era pequeno, estava num gulag. Mas não era aqui, era na nossa terra.




TELEFONEMAS
Ligar para casa é quase um ritual para todos os imigrantes
– A escola?... Bem, aqui em Portugal há muita coisa boa... Eu estou na praia, faz sol, o mar é óptimo. Tenho trabalho… Mas a escola aqui é mesmo um problema. Muito fraca.




IGREJA NIGERIANA
O pastor da igreja nigeriana fala da condição dos imigrantes através da bíblia.
– He worked very hard during seven years, and then he was cheated! This is the fate of immigrants: They work much and they end low.




críticas

Emmanuel Burdeau e Jean-Philippe Tessé, Cahiers du Cinéma, Dez 2004
Uma descoberta: a beleza de LISBOETAS, documentário sobre a nova imigração russa e ucraniana, filme cujo vigor, filho do de “No Quarto da Vanda” volta a provar o ardor formal e político do documentário.

Kathleen Gomes, Público
Lisboetas- os estrangeiros aqui somos nós
ucranianos, chineses, brasileiros, moldavas, russos, nigerianos, paquistaneses: eles estão entre nós

Foi ali, onde a China e o Bangladesh se encontram, que Serge Tréfaut decidiu que Lisboa ia filmar. O Parc de La Vilette, em Paris, preparava uma exposição sobre Lisboa e encomendara-lhe um projecto. E quando ali, no Martim Moniz, "Little China". "Little Bangladesh"e "Little África", tudo ao mesmo tempo, lhe perguntaram qual seria o tema do seu filme, limitou-se a olhar em volta, apontando a paisagem humana: "Sobre essas pessoas".

Um bebé dorme nos braços da mãe.
Numa aula de português tacteia-se a conjugação dos verbos.
"Aldrabar", por exemplo. Eu, tu, ele...
Um trovador dedilha o amor na guitarra e canta numa língua
imperceptível: "Então, podias dar-me as tuas mãos frias..."
E há crianças a sonhar com aikido.

Essas pessoas são as novas comunidades de imigrantes que chegaram a Lisboa nos últimos sete anos, sensivelmente, Ucranianos, brasileiros, moldavos, russos, nigerianos, paquistaneses, "A cidade mudou radicalmente. Toda a gente que anda de metro ouve falar russo todos os dias", resume Serge Tréfaut (n. 1965). No ecrã do seu Macintosh multiplicam-se as versões de um mesmo projecto, sobre os novos imigrantes em Portugal. Uma delas é "Lisboetas". É um documentário de 60 minutos centrado nos imigrantes do Leste europeu, um dos vértices de um ambicioso fresco sobre as diversas comunidades de estrangeiros em Lisboa cinema.
O cinema tem tentado perscrutar essas novas presenças – já houve, por exemplo, "Entre Muros" (2002), documentário de João Ribeiro e José Filipe Costa sobre um grupo de imigrantes ucranianos em Portugal, entre a claustrofobia do seu exílio e o regresso a casa. A imigração, nota Tréfaut, "é dos temas mais tratados, a nível europeu, no documentário". Porquê? Resposta metafórica: "Se as pessoas passaram a vida a filmar na Patagónia e a Patagónia agora está aqui..."
Eles estão aqui.
"As pessoas que deixam o seu pais para vir para Portugal não imaginam o que as espera", diz-se, em russo, em "Lisboetas". Um largo sorriso exibe uma dentadura de ouro, os olhos são de quem se sente perdido. No balcão de atendimento do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, os rostos vão-se sucedendo, mas o olhar é sempre o mesmo quando, do lado de cá, o questionário e a burocracia apertam. A fila, lá fora, vai adensando, com os que esperam entrar. Num mercado de trabalho clandestino, também há os que esperam que um português endinheirado acoste, com uma oportunidade de ganhar a vida, e o desalento no bolso.
"A questão da imigração do Leste em Portugal é muito especial. Porque são pessoas muito qualificadas, engenheiros, médicos, etc., que estão a trabalhar nas obras, para empreiteiros que são analfabetos", diz Tréfaut. "O que é mais triste, para mim, é que o que há de bom na imigração não vai ser aproveitado, Portugal não se organizou de forma a preservar ao máximo o saber das pessoas que chegaram."
Durante meses, o realizador foi abrindo caminho entre associações, instituições e, sobretudo, igrejas ligadas às diversas comunidades de imigrantes em Portugal. "Uma vez que se é aceite por uma comunidade religiosa, as pessoas ficam mais receptivas, é-se olhado com menos desconfiança. E, ao passo que uma associação ou instituição não são locais de convívio real, as igrejas são verdadeiras embaixadas das comunidades."
Dessa primeira abordagem, nasceu "Novos Lisboetas", filme-instalação apresentado na exposição de La Vilette, em Janeiro de 2003 - com dois ecrãs em simultâneo e em dois fôlegos. entre retratos individuais e congregações comunitárias. Foi uma primeira aproximação, "quase antropológica", como diz, "Quando fui fazer o primeiro visionamento de 'rushes' em Paris com [os organizadores do] Parc de La Vilette, disse: 'Bom, vocês vão pensar que gastei o dinheiro todo em viagens à Índia,,.', ri-se. "Como [o filme] era só dentro das igrejas, Tinha ar de tudo menos de Lisboa," Especificando: "Se se vai ao templo Sikh, sente-se que de um lado da porta estamos em Portugal e do outro lado da porta estamos no Punjab. Há uma surpresa gigante de passar a porta e estar noutro país." Como quando, no escuro, uma lanterna revela ícones russos no interior de uma igreja. Ainda estamos em Lisboa? Ainda estamos em Lisboa. E, subitamente, o estrangeiro somos nós, espectadores.
Tréfaut continuou a filmar. No final de Julho do ano passado, fê-lo de forma continuada, retomando o percurso onde "Novos Lisboetas" o tinha deixado. Daí resultaram 60 horas de filmagens - e o impasse de um trabalho que "podia levar todos os caminhos possíveis". Apresentou um "work in progress" de três horas no seminário anual dedicado ao cinema documental, Doc's Kingdom, em Serpa, e esperou reacções. “Muita gente viu-o apaixonadamente." A versão de "Lisboetas" que é hoje exibida na Culturgest foi montada posteriormente, procurando um equilíbrio entre os formatos exigidos pelas televisões - é regra não ultrapassar os 60 minutos de duração, por vezes menos - e a respiração das imagens. Por isso, acabou por se concentrar nos imigrantes do Leste europeu, "com pequenas incidências de outras comunidades": foi a forma encontrada de não comprometer a (longa) duração de algumas sequências.
O que ficou de fora desfila agora na sequências encontrarão o seu caminho até à versão para cinema.
Como o sermão de uma missa nigeriana, improvisada num ginásio, invocando a parábola de Jacob, do Velho Testamento.
Há uma critica subjacente em "Lisboetas", dirigida sobretudo a nós. Não é por acaso que, no início, se diz que Portugal foi um pais de emigrantes no século XX. "Acho que a força imobilizadora de Portugal é muito forte, É um bocado como a Revolução: entre 1974 e 1978, conseguiram-se mudar todas as instituições, a condição feminina, etc, mas mudar por dentro é totalmente diferente e há uma força enorme dos costumes que impede a mudança. Neste caso, Portugal é um país com uma energia fortíssima de descrença, desmobilização e resignação. E o lado resignado leva a que multa da energia positiva que vem de fora venha a afrouxar", sugere Tréfaut. Apesar disso, acredita que "um imigrante português em França levará cem vezes mais tempo a ser integrado numa comunidade francesa do que um imigrante russo em Portugal". É que "Portuga! mistura uma certa tolerância com uma falta de oferta de condições. Ou seja, as pessoas são autorizadas a ficar, um pouco como os mendigos são autorizados a ficar na rua",
O que é que o surpreendeu mais durante a rodagem de "Lisboetas"? "Toda a descoberta de um universo completamente diferente. É mesmo uma aprendizagem, porque a ideia que se tem do que é um indiano, por exemplo, sem nunca se falar com ele. É totalmente diferente de quando se vai a casa dele ou ao templo. É uma transformação da ideia que se tem do mundo."
Entre as imagens que esperam um filme, entre uma noite de forró na Casa do Brasil e um "traveiling" nocturno de um vendedor de rosas paquistanês (apesar da diversidade de comunidades, há rimas notórias entre elas), há um jornal chinês a tomar forma nas rotativas, e a ser distribuído - ali, onde tudo começou, no Martim Moniz, Quando deixamos a produtora de Tréfaut, Faux, numa das artérias da baixa de Lisboa, alguém passa com um jornal chinês no braço. É lisboeta.

serge tréfaut de onde é que sou?
Olhando para o trabalho de Serge Tréfaul no documentário, é possível apontar um fio comum a "Outro Pais" (1999), "Fleurette"(2002) e "Lisboetas": a interrogação de um lugar de pertença, "Fiz três filmes que tinham um lado identitário importante. Um filme sobre a revolução ['Outro País'] que não era só isso, mas também sobre o que vale a pena na vida e acho que esse foi um momento em que as pessoas se Interrogaram, O filme da minha família ['Fleurette'] é óbvio. E 'Lisboetas' é um filme sobre pertença. 'De onde é que eu sou?' é uma coisa que é importante para toda a gente."
Recapitulando: fazendo a arqueologia de um país revolucionário, "Outro País" recuperava imagens registadas por cineastas e fotógrafos estrangeiros nos anos quentes de 1974-75, muitas delas inéditas. Esse "outro país" com que os intervenientes (entre eles, Sebastião Salgado, Robert Kramer ou Guy Le Querrec, fotógrafo da Agência Magnum), e o espectador, se confrontavam era sobretudo, o da memória - e o consequente desencanto e luto das promessas e utopias alimentadas pela Revolução. "Fleurette" activava uma pequena saga pessoal, sob a forma de investigação íntima ao que numa família resiste a ser contado, deixando a sensação de se assistir a algo próximo de uma catarse.
Como impulso para filmar "Lisboetas", Tréfaut, nascido no Brasil, filho de pai português e mãe francesa, dirá: "Tem a ver com o facto de me sentir sempre um pouco estrangeiro". No triângulo que é o seu percurso - "Tenho documentos portugueses, franceses, brasileiros..." -, a sua ligação ao cinema reporta-se ao círculo de amizades de infância, onde se incluem Maria de Medeiros e Teresa Villaverde. "Cheguei a Portugal em 1977 e quando me sentei na carteira no meu primeiro dia de aulas estava lá a Maria, e assim por diante. Três anos depois, comecei a dar-me com o Manuel e com a Teresa Villaverde [irmãos]. E a Teresa, nessa idade, já sabia que a única coisa que queria fazer na vida era cinema. Nós não éramos assim."
Tréfaut tentou o teatro. E licenciou-se em filosofia na Sorbonne, em Paris, "A Maria e eu fomos fazer a mesma coisa, filosofia e teatro. Depois, ela não terminou filosofia e eu deixei o teatro", ri-se. "E quando a Teresa foi para Praga estudar cinema ficámos cheios de inveja, pelo que, passados seis meses, decidi escrever um guião de ficção - fazem agora 19 ou 20 anos. Apresentei-o ao Instituto Português de Cinema e foi recusado, durante anos."
É uma história antiga, apesar de só agora se preparar para rodar a sua primeira longa-metragem de ficção, "Business Class". É um projecto, também, sobre imigração. "É a história da minha professora de russo, que é ucraniana, da chegada dela a Portugal, quando foi barrada na fronteira e mandada para um país que não era o dela. Foi obrigada a comprar um bilhete em 'business class' [para Moscovo], daí o título do filme. Hoje, ela trabalha defendendo pessoas que estão nessas situações."
Como é que chegou ao documentário? Quase por acaso, dir-se-ia. "Depois de ter falhado uma exposição sobre a Revolução aqui em Portugal, que não me deixaram fazer, resolvi fazer 'Outro País' e, desde então, não tive vontade de parar."
Antecedentes: um ciclo sobre Joris Ivens na Cinemateca Portuguesa, em 1983- "tornou-se o meu ídolo quando eu tinha 17 anos" - o corrupio de correspondentes internacionais na sua casa em São Paulo, à altura em que o pai, Miguel Urbano Rodrigues, era editor do maior jornal brasileiro, "O Estado de São Paulo". "São Paulo tinha uma série de correspondentes internacionais, havia uma espécie de 'intelligentsia' com pessoas muito interessantes, do 'New York Times" ou do 'Le Monde", que iam e vinham, vindos da Frente Polisário, com uma bala no braço, uma coisa assim..." Ainda exerceu jornalismo durante um breve período, mas o cinema ganhou-o. Estreou-se como assistente de realização de Rita Azevedo Gomes, em "O Som da Terra a Tremer" (1990)
Voltando a "Business Class": "É a reconstituição de uma história verdadeira. Apresentei o meu primeiro projecto de ficção ao ICAM em 1985 ou 1986, Fazia projectos que eram essencialmente poéticos, longe da realidade. Percebi que isso nunca ia funcionar e agora tenho de fazer coisas nas quais a dimensão poética está na realidade."



sérgio tréfaut

Sérgio Tréfaut nasceu em 1965 no Brasil, filho de pai português e de mãe francesa. Após o mestrado de filosofia na Sorbonne e uma experiência de dois anos como jornalista, passou a dedicar-se exclusivamente à produção e à realização de filmes. Os seus principais trabalhos como realizador são:


 Lisboetas, 2004-2005
60’ (televisão) / 100’ (cinema)
Prémio Melhor Filme Português – IndieLisboa 2004

 Business Class, (longa metragem de ficção em rodagem)
co-produção : Portugal (ICAM-RTP), França, Espanha

 Novos Lisboetas, 30’, 2003 (instalação documental)
Exibição no Parc de La Villette (Paris) entre Out de 2003 e Jan de 2004

 Fleurette, 82’, 2002
Grand Prix – Les Écrans Documentaires 2003
Melhor Montagem – doclisboa 2002
Joris Ivens Competition IDFA – Amsterdam
Quinzena de Realizadores do MOMA – New York
Top of the Docs - Estocolmo
Outros festivais : It’s all true (Brasil), Infinity Festival (Italia), Silverdocs (EUA) ;Rencontres du Documentaire de Montréal (Canada), etc. Distribuição comercial em 7 países (Alemanha, Holanda, Áustria, Reino Unido, Espanha, Eslováquia, França) e 180 salas de cinema

 Outro País, 70’, 1999
Prémio Melhor Documentário Português, 1999
Golden Gate Award - San Francisco Film Festival Certificate of Merit
Difusão TV : : Portugal, Brasil, Espanha, Grécia, Cabo Verde, Angola
No programa das universidades de Harvard, Brown, Yale, George
Washington; Universidade Nova, ICS, ISCTE.







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