sábado, 19 de novembro de 2011

Vá de Metro, Satanás.







Vai de Metro Satanás

Inicio hoje uma rubrica esporádica que poderia ter como título: “Como levar o país à bancarrota”. Devo ser um bocado paroquial nos meus interesses porque, quando toda a gente anseia que a Sra. Merkel deixe o Banco Central Europeu emitir moeda para apaziguar o euro e para nos libertar de mazelas maiores, eu atrevo-me a sugerir que, com ou sem essa emissão, será sempre uma lástima se este tempo não for aproveitado para o país aprender duas ou três lições domésticas e ganhar com isso algum bom senso.
Começo pelo magnífico exemplo das empresas de transportes, agora muito em voga por causa das suas incomensuráveis dívidas e dos seus principescos vencimentos, desde logo das secretárias dos administradores nomeados pelo poder partidário. (E de outros salários que os sindicatos do sector consideram conquistas inamovíveis).
Quem quiser perceber o Portugal dos últimos 20 anos, pode e deve olhar para o caso do Metro de Lisboa ou, se quiser descentralizar, do Porto. A dívida da empresa anda pelos 3,8 mil milhões de euros. A administração justifica-se com as obras de expansão da rede que agora tem de pagar. Vale a pena deixar duas ou três notas de pura observação que explicam este descalabro.
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Primeiro: no início dos anos 90, o Metro de Lisboa recomeçou o seu alargamento, aumentando o número de estações disponíveis. Até aqui tudo bem. Mas a megalomania e a excessiva liberdade dos administradores da empresa tinham de estragar as benfeitorias. As novas e velhas estações de metro encheram-se de “condições estéticas” – a que alguns chamam ‘arte’ – com o magno propósito de tornar uma estação de metro numa espécie de Hermitage do subsolo lisboeta. Passeiem pelo sítio da internet do Metro e cliquem em “Arte no metro”. Encontram a seguinte frase:
“Desde a construção das suas primeiras estações na década de cinquenta, que a preocupação em dotar os espaços públicos de condições estéticas que amenizem os efeitos negativos de um ambiente subterrâneo tem sido uma constante no Metropolitano de Lisboa.”
Vou deixar de lado a década de 50. Desconheço. Mas por que obscuro motivo é que, a partir dos anos 90, o Metro achou que deveria ter a “preocupação” de criar “condições estéticas que amenizem os efeitos negativos de um ambiente subterrâneo”? Os ingleses e franceses têm metropolitano há 100 anos, com muitas estações elementares, e não se sentem expostos a quaisquer “efeitos negativos”, muito menos pretendem que o metro os “amenize”. Se estamos num “ambiente subterrâneo”, queremos sair dali depressa e bem. Mas o Metro de Lisboa tinha outra nobreza. Infelizmente, custava o dobro e não servia para nada.
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Segundo: o Metro tem planeado a sua expansão pelas diferentes zonas da cidade, quase como um adolescente. Isso implicou algumas escolhas duvidosas. Para começar, passou a competir com a CP e com as rodoviárias, alargando as linhas para áreas já abrangidas por outros transportes. Isto quando o aeroporto ou outras zonas da cidade, admito que de pior acessibilidade, iam ficando para as calendas. Ao mesmo tempo, o metro chegava aos subúrbios (Amadora) e pretende continuar (a Reboleira vem a seguir), abandonando completamente o centro. Depois, o prolongamento de certas obras do metro foi verdadeiramente criminoso para muitos comerciantes que ainda hoje se queixam (muitos deixaram de se queixar porque não resistiram e desapareceram).
Mas o mais caricato está no número de ligações ou bifurcações a que estes planos conduziam. Hoje em dia, é mais fácil andar à volta pelo metro do que chegar a destinos mal servidos por transportes públicos. Em Setembro de 2009, o governo da época, em conjunto com a empresa, apresentou um plano mirífico de expansão para a década 2010-2020 que vale a pena revisitar. Além da absurda ambição para um país já em queda livre, o plano previa a construção de uma linha circular que acentuava todo este experimentalismo inútil. Nós não caímos por acaso. Nunca se esqueçam disto.


Pedro Lomba (in «Público»).

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