Taxistas. Banhadas, rezas e assaltos à filme
Por Clara Silva, publicado em 8 Out 2011
Por Clara Silva, publicado em 8 Out 2011
António Ferreira Marques, de 76 anos, orgulha-se de já ter transportado “muito ladrão”. “Sim, pessoas que andam aí no gamanço. No outro dia levei dois cavalheiros e uma senhora da Avenida de Roma até Linda-a-Velha e cada um levava uma pistola”, diz o taxista, que há 25 anos trabalha ao volante. “Eu disse logo para contarem comigo quando assaltarem um banco. Têm é de me dar algum. Até fui com eles a uma pastelaria e disseram ao dono para não me cobrar um tostão quando lá voltasse.”
Nas praças de táxi de Lisboa, António é uma espécie rara. Os colegas queixam-se quase todos de assaltos cada vez mais frequentes e violentos. “Isto é uma vida selvagem, basta olhar para os jornais”, barafusta Adérito Cabeço, de 62 anos e “18 anos de tortura disto”. O taxista foi assaltado quando transportava dois clientes para A-dos-Loucos, em Vila Franca de Xira, e desde então ficou “traumatizado”. “Espetaram-me as unhas na cara e tiraram-me do carro à porrada”, recorda. “Não roubaram nada a não ser o telemóvel. E o carro, claro. Bateram e fugiram. Tive de pagar tudo do meu bolso.” Adérito fez queixa à polícia, mas “só para ver se não faziam assaltos com o carro”. “A GNR chegava lá e ainda me começava a procurar pelos documentos, pelo extintor, pelo pneu suplente. É tempo perdido. E já nem podemos trazer uma coisa para nos defendermos, um pau...”
TÁXI ABENÇOADO
António dispensa paus. Tem dois terços pendurados no espelho que, diz ele, o ajudam a proteger-se dos assaltantes. “Um dia aceitei levar um cigano que nunca pagava a ninguém. Ia ter com a mãe, que estava a vender em Belém. Rezei o caminho todo ao pai que está no céu e ele não abriu a boca”, conta António antes de reproduzir uma longa reza enquanto mastiga o que resta de uma maçã. “Quando lá chegámos, a avó dele deu-me dez euros. Fui o único a quem pagou.”
Além da sorte e da protecção divina, António tem outros truques na manga para que ninguém o roube. “Temos de dizer logo que é o primeiro serviço que vamos fazer. Um tipo nunca diz que tem a carteira cheia. Assim, graças a Deus nunca me aconteceu nada.”
CONSELHOS DE TAXISTA
António Manuel, de 46 anos e taxista há 23, também concorda que levar pouco dinheiro é um trunfo. Talvez por isso, alguns taxistas não costumem ter troco. “Na transição do turno da manhã para o da tarde, quem vai a casa almoçar deve deixar lá o dinheiro todo que fez, ou então num sítio bem escondido do carro. Deve-se andar no máximo com 20 euros, uma nota de dez e duas de cinco. E algumas moedas.” António evita sempre ruas sem saída e algumas zonas de Chelas, da Buraca e da Costa da Caparica. “O conselho que dou é nunca transportar três ou quatro pessoas à noite. É sempre um risco.”
O taxista queixa-se dos separadores de segurança que alguns carros têm. “Isso só revela medo, e na maior parte dos carros nem dá para pôr. O governo não aceita a videovigilância, mas não percebo porquê. Se somos filmados em todo o lado, porque não nos táxis?”
NÃO HÁ CAMPEÕES
Se tivesse uma câmara no táxi, Vítor Manuel, 51 anos, podia ter sido estrela de um filme de acção. Dois brasileiros levaram-no para a Brandoa, “para um beco onde só ao fim de cinco ou seis assaltos é que a câmara pôs um sinal de rua sem saída”. “Apertaram--me o pescoço, fizeram-me um nó de gravata, como chamamos aqui na gíria, e pediram-me o dinheiro todo e tudo e mais alguma coisa.” Na altura, Vítor tinha 300 euros “escondidos num certo e determinado sítio” e inventou que o dinheiro estava debaixo do tapete do lado do condutor. “Quando um deles saiu do carro e me puxou para fora, eu na altura tinha um cabo de alta tensão de 80 centímetros e dei-lhe com ele. Como não há campeões, o outro saiu do carro e tentou dar-me com uma moca de madeira. Só me acertou no ombro e fiquei com um hematoma.”
Vítor optou por não fazer queixa à polícia, até porque não lhe roubaram nada. “Eles ainda apareceram e perguntaram--me se queria apresentar queixa. Queixa contra quem? Contra incertos? Certo estou eu de que dei e levei.”
Embora os taxistas se queixem dos assaltos cada vez mais frequentes – “Da maneira que o país está, o que é que se espera?”, suspira António Manuel –, a PSP não adianta números de assaltos em táxis. “As ocorrências criminais são registadas dentro de categorias gerais e não por categorias profissionais”, explica o gabinete de imprensa.
BANHADAS
“As banhadas é que são o prato do dia”, diz Geraldo Gomes, de 73 anos. “As pessoas chegam ao fim do percurso e não pagam.” Fernando Conceição, na mesma praça de táxis em Alcântara, concorda: “Banhadas levo imensas... No outro dia até de uma miúda novinha, bem-apresentáda. Foi a casa, em Telheiras, buscar o dinheiro, e se tivessse ficado à espera dela ainda lá estava.”
Apesar da onda de assaltos, os taxistas têm razões para sorrir. Num inquérito europeu em 22 cidades, os taxistas de Lisboa ficaram em sétimo lugar no que diz respeito a simpatia e qualidade de serviço. Talvez se esforcem, para não serem assaltados.
(jornal «i»).
Nas praças de táxi de Lisboa, António é uma espécie rara. Os colegas queixam-se quase todos de assaltos cada vez mais frequentes e violentos. “Isto é uma vida selvagem, basta olhar para os jornais”, barafusta Adérito Cabeço, de 62 anos e “18 anos de tortura disto”. O taxista foi assaltado quando transportava dois clientes para A-dos-Loucos, em Vila Franca de Xira, e desde então ficou “traumatizado”. “Espetaram-me as unhas na cara e tiraram-me do carro à porrada”, recorda. “Não roubaram nada a não ser o telemóvel. E o carro, claro. Bateram e fugiram. Tive de pagar tudo do meu bolso.” Adérito fez queixa à polícia, mas “só para ver se não faziam assaltos com o carro”. “A GNR chegava lá e ainda me começava a procurar pelos documentos, pelo extintor, pelo pneu suplente. É tempo perdido. E já nem podemos trazer uma coisa para nos defendermos, um pau...”
TÁXI ABENÇOADO
António dispensa paus. Tem dois terços pendurados no espelho que, diz ele, o ajudam a proteger-se dos assaltantes. “Um dia aceitei levar um cigano que nunca pagava a ninguém. Ia ter com a mãe, que estava a vender em Belém. Rezei o caminho todo ao pai que está no céu e ele não abriu a boca”, conta António antes de reproduzir uma longa reza enquanto mastiga o que resta de uma maçã. “Quando lá chegámos, a avó dele deu-me dez euros. Fui o único a quem pagou.”
Além da sorte e da protecção divina, António tem outros truques na manga para que ninguém o roube. “Temos de dizer logo que é o primeiro serviço que vamos fazer. Um tipo nunca diz que tem a carteira cheia. Assim, graças a Deus nunca me aconteceu nada.”
CONSELHOS DE TAXISTA
António Manuel, de 46 anos e taxista há 23, também concorda que levar pouco dinheiro é um trunfo. Talvez por isso, alguns taxistas não costumem ter troco. “Na transição do turno da manhã para o da tarde, quem vai a casa almoçar deve deixar lá o dinheiro todo que fez, ou então num sítio bem escondido do carro. Deve-se andar no máximo com 20 euros, uma nota de dez e duas de cinco. E algumas moedas.” António evita sempre ruas sem saída e algumas zonas de Chelas, da Buraca e da Costa da Caparica. “O conselho que dou é nunca transportar três ou quatro pessoas à noite. É sempre um risco.”
O taxista queixa-se dos separadores de segurança que alguns carros têm. “Isso só revela medo, e na maior parte dos carros nem dá para pôr. O governo não aceita a videovigilância, mas não percebo porquê. Se somos filmados em todo o lado, porque não nos táxis?”
NÃO HÁ CAMPEÕES
Se tivesse uma câmara no táxi, Vítor Manuel, 51 anos, podia ter sido estrela de um filme de acção. Dois brasileiros levaram-no para a Brandoa, “para um beco onde só ao fim de cinco ou seis assaltos é que a câmara pôs um sinal de rua sem saída”. “Apertaram--me o pescoço, fizeram-me um nó de gravata, como chamamos aqui na gíria, e pediram-me o dinheiro todo e tudo e mais alguma coisa.” Na altura, Vítor tinha 300 euros “escondidos num certo e determinado sítio” e inventou que o dinheiro estava debaixo do tapete do lado do condutor. “Quando um deles saiu do carro e me puxou para fora, eu na altura tinha um cabo de alta tensão de 80 centímetros e dei-lhe com ele. Como não há campeões, o outro saiu do carro e tentou dar-me com uma moca de madeira. Só me acertou no ombro e fiquei com um hematoma.”
Vítor optou por não fazer queixa à polícia, até porque não lhe roubaram nada. “Eles ainda apareceram e perguntaram--me se queria apresentar queixa. Queixa contra quem? Contra incertos? Certo estou eu de que dei e levei.”
Embora os taxistas se queixem dos assaltos cada vez mais frequentes – “Da maneira que o país está, o que é que se espera?”, suspira António Manuel –, a PSP não adianta números de assaltos em táxis. “As ocorrências criminais são registadas dentro de categorias gerais e não por categorias profissionais”, explica o gabinete de imprensa.
BANHADAS
“As banhadas é que são o prato do dia”, diz Geraldo Gomes, de 73 anos. “As pessoas chegam ao fim do percurso e não pagam.” Fernando Conceição, na mesma praça de táxis em Alcântara, concorda: “Banhadas levo imensas... No outro dia até de uma miúda novinha, bem-apresentáda. Foi a casa, em Telheiras, buscar o dinheiro, e se tivessse ficado à espera dela ainda lá estava.”
Apesar da onda de assaltos, os taxistas têm razões para sorrir. Num inquérito europeu em 22 cidades, os taxistas de Lisboa ficaram em sétimo lugar no que diz respeito a simpatia e qualidade de serviço. Talvez se esforcem, para não serem assaltados.
(jornal «i»).
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