domingo, 7 de agosto de 2011

China Town, na Mouraria.







China Town fica na Mouraria
por Vanda Marques,


Semicerramos os olhos e tentamos perceber os gestos corporais da meia dúzia de pessoas que falam mandarim à nossa volta. A azáfama é muita, os risos também - menos mal -, mas não entendemos uma sílaba da amena cavaqueira. Resta-nos sorrir e esperar que Joana Dias, portuguesa de gema, nos transmita o que se passa ali, em plena Praça do Martim Moniz, no centro da capital portuguesa. Mas voltemos ao início, antes deste fim apoteótico em volta de um pão com carne de porco e cebola, um pratinho do melhor tofu que já provei e um desejo incontrolável de comer farturas chinesas às 11 da manhã.

O desafio era conhecer a China Town lisboeta. Primeira reacção: como é que ainda ninguém falou nisso? A razão é simples. Essa cidade está escondida nos recantos do bairro para onde D. Afonso Henriques mandou os muçulmanos.

Joana Dias é guia desta viagem organizada pela Associação Renovar a Mouraria. "Já tínhamos visitas guiadas ao bairro e quando conhecemos a Joana resolvemos criar uma específica para o mundo chinês do bairro. É difícil trabalhar com a comunidade se não dominamos a língua. Ela fez um percurso e descobriu sítios interessantes", explica a directora, Filipa Bolotinha. É nesta altura que Joana Dias entra em campo. A intérprete estudou mandarim em Portugal e viveu um ano e meio em Pequim. Experiência mais que suficiente para dominar a língua. Mas quem pensa que organizar um passeio por templos chineses, cabeleireiros e restaurantes é fácil, desengane-se. "Demorei um ano a ganhar a confiança deles. Depois de lhes explicar, ficaram contentes por me abrir a sua cultura", diz Joana. A desconfiança é um traço comum. A comunidade chinesa está em Portugal para trabalhar e, como os seus membros não dominam a língua, são desconfiados. Recusar tirar fotografias é comum. Até a simpática senhora que trabalha no café onde comemos o baozi - o pão com carne e cebola - demorou a deixar que a fotografassem e depois de escrever o nome no nosso caderno pediu para o apagar.

A visita guiada à China lisboeta já teve algumas edições e recomeça agora em força no mês de Agosto. Sábado é já a primeira data.

Cabelos arrojados O passeio começa na Rua da Mouraria e a primeira paragem é para falar com os lojistas. Mas antes Joana mostra-nos uma varanda muita acima do nosso raio de visão, de um metro e tal, onde fica a redacção do jornal chinês feito em Portugal [www.puhuabao.com]. "É um semanário com as notícias chinesas, portuguesas, mundiais e artigos sobre a comunidade de Lisboa", explica Joana. Testámos o que a guia nos disse. No meio de caracteres chineses identificamos o divórcio de Maria Shriver e Arnold Schwarzenegger e as opiniões de Mário Soares. Vimos ainda uma secção para crianças, com notícias infantis e fotografias de animais fofinhos.

Pelo caminho, Joana Dias dá-nos uma aula de história sem as partes chatas. Ficamos a saber que a comunidade chinesa em Portugal vem toda da cidade de Wenzhou, da província Zhejiang, a sul de Xangai, e que na Mouraria são a segunda maior comunidade, apenas ultrapassada pelos emigrantes do Bangladesh. "Grande parte são a primeira geração de emigrantes e estão pouco integrados. A barreira da língua é muito forte. Como estão cá para trabalhar, de manhã à noite, não têm tempo para ter aulas. Sessenta por cento querem voltar para a China", diz Joana. Daí a lenda urbana de que os chineses não são enterrados na Europa e de que qualquer coisa estranha se passa. Não há nada bizarro aqui. Apenas regressam à terra.

Uma das vantagens da visita é a interacção com os chineses, graças à tradutora. "As pessoas querem saber o que eles acham de Portugal e o que fazem nos tempos livres. Eles respondem que gostam do país, que as pessoas são simpáticas e que os tempos livres são para estar ao computador, a jogar ou a conversar com a família e os amigos." E a praia? "Alguns vão, mas na China a pele muito branca dá status. O bronze não é bem visto." A visita ao supermercado típico é obrigatória. No HuaTa Zi há todo o tipo de produtos de mercearia que se encontram na China. Do lado de fora há um quadro onde a comunidade põe os anúncios de trabalho. Se há uma coisa incontestável é que eles trabalham sem parar. Os cabeleireiros também se adaptaram aos horários tardios e aos estilos arrojados. "Os cortes de cabelo são os que estão na moda na China. São mais pop e arriscados. E é aqui que podem ter conversas de cabeleireiro", diz a guia. A visita não está completa sem uma passagem pela livraria do Professor Wu, que veio para Portugal com a mulher porque os filhos já cá estavam, e pelo templo taoista, a surpresa do passeio, onde os visitantes podem descansar e meditar.

A comida também não pode ser ignorada. Há uma paragem para um lanche reforçado. Como nos explica o responsável pelo nosso tofu delicioso. "Os portugueses gostam muito do pão com carne, mas não bebem leite de soja. Deviam. Faz muito bem." Outra coisa que aprendemos: os chineses têm muito cuidado com a linha e depois das 20h não há refeições pesadas. Um "Peso Pesado" lá não funcionava.


(jornal «i»).

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