terça-feira, 12 de julho de 2011

Acabar com o «botellón».

António Costa propõe horários reduzidos nas lojas de conveniência do Bairro Alto
In Público (12/7/2011)
Por Cláudia Sobral


«Lisboa Presidente da câmara quer restringir consumo de álcool na rua à noite


Revisão das regras irá impor funcionamento entre as 8h e as 19h e não até às 2h, como agora. Comerciante pede antes que se proíba venda de garrafas de vidro e mais fiscalização

A guerra às lojas de conveniência, consideradas as principais responsáveis pelas garrafas de vidro na rua, não é de agora, mas a batalha final parece mais próxima. Num edital da câmara propõe-se para discussão pública a limitação dos horários das lojas de conveniência do Bairro Alto entre as 8h e as 19h. Um passo para acabar com o botellón, dizem donos de bares e moradores. Uma medida desajustada, critica uma proprietária de uma loja de conveniência.

Para o presidente da Associação de Comerciantes do Bairro Alto (AC- BA), Belino Costa, "o edital peca por tardio". "Não podíamos estar mais de acordo", reage Luís Paisana, presidente da Associação de Moradores do Bairro Alto. "Mesmo que não seja suficiente, é um passo importante [para acabar com o consumo na rua]." Ainda na semana passada, a associação queixou-se numa reunião descentralizada da câmara, do barulho e dos desacatos que se prolongam noite adentro.

Beber de garrafas de vidro na rua é uma "actividade gravemente prejudicial para a saúde pública" e "geradora de insegurança", argumenta António Costa no edital. A discussão pública terminou na passada sexta-feira e o resultado ainda é desconhecido.

Este tipo de consumo é potenciado pelas lojas de conveniência, que "asseguram predominantemente a venda de bebidas alcoólicas" e não se destinam a "suprir deficiências de abastecimento de bens variados às populações", sustenta o autarca. Estes são também os argumentos de quem tem bar no bairro e que aponta ainda a concorrência desleal das lojas de conveniência.

Morte anunciada?

"Desta vez a câmara está a fazer as coisas com requinte", diz Carla Lencastre, advogada que representou os donos das lojas de conveniência quando, no ano passado, a câmara tentou sem sucesso antecipar a hora de fecho das 2h para a meia-noite.

A presidente da Associação de Pequenos e Médios Comerciantes do Bairro Alto, Sheila Lima, tem uma frase de guerra para responder aos proprietários dos bares: "Garrafas na rua não, no contentor sim". É a resposta desta proprietária de uma loja de conveniência ao slogan da campanha lançada no Verão passado pela ACBA, num esforço para acabar com o botellón no bairro lisboeta: "Garrafas na rua não, abaixo o 'botelhão'".

Com esta limitação de horários, sobreviver torna-se impossível para as lojas de conveniência. A loja que Sheila Lima tem há dois anos abre às 8h. Às 17h, ao telefone com o PÚBLICO, contava que ainda nem uma garrafa de água tinha vendido. O próprio presidente da ACBA admite que o resultado da imposição de novos horários será o fim das lojas de conveniência. "Essas lojas vivem para a noite."

O botellón "fica só um fenómeno. A própria moda de andar com a garrafa deixa de ter piada", sustenta Belino Costa, que há tanto tempo luta por uma medida que condicione estas lojas. "É importante que passe a ser malvisto andar a beber de garrafa na rua." Já Carla Lencastre não acredita que vá desaparecer e considera que esta "medida completamente desajustada" ataca o problema pelo lado errado: "O argumento é o das garrafas, mas há uma série de factores que não estão a ponderar, como a venda ambulante a partir das 2h, quando as lojas fecham". Garante que há bares que "já adoptaram a venda de garrafas para a rua". "Proíba-se a venda [das garrafas de vidro] e adopte-se uma fiscalização intensiva", em alternativa à limitação dos horários. "As lojas passariam a vender noutros recipientes."

Enaiê Prola, estudante de 23 anos, é cliente habitual das lojas de conveniência. Cada "litrosa" [nome popular para garrafas de cerveja de um litro] custa dois euros, em média - pouco mais ou até o mesmo que uma imperial num copo de plástico. "Para nós é chato, que gastamos mais, mas é justo. Isto foi uma tacada para os bares e depois ficamos todos na rua e é uma bagunça", reconhece.

Esta medida dirigida às lojas de conveniência poderá afectar outros estabelecimentos, acredita Carla Lencastre, sócia de uma loja de roupa em segunda mão e de artesanato, com uma secção acessória de bebidas e de produtos alimentares embalados, localizada no Bairro Alto. Receia estar abrangida pela proposta, que considera "ambígua" ao alargar-se a outros estabelecimentos para além das lojas de conveniência. O PÚBLICO colocou essa questão à Câmara de Lisboa, mas não obteve resposta. Belino Gomes diz ter feito a mesma pergunta à câmara, que respondeu ser esta "a solução encontrada para resolver o problema" e que a medida é essencialmente dirigida às lojas de conveniência. "Foi uma solução. Não sei se a melhor ou a pior."»

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