Hoje o país à rasca está na rua, "Por um futuro digno."
.Quatro amigos - Alexandre de Sousa Carvalho, de 25 anos, Paula Gil, de 26, João Labrincha, de 27, e António Frazão, de 25 - inventaram este protesto "laico, pacífico e apartidário". Idealizaram-no em Lisboa. A palavra propagou-se através do Facebook. Havia muita gente a perguntar: "E no Porto?" Alexandre Afonso, de 34 anos, mandou um e-mail a voluntariar-se para impulsionar uma réplica no Porto. Disseram-lhe que sim.
Perderam o controlo ao rastilho que atearam na Internet. Noutras nove cidades, outros jovens adoptaram o manifesto que convoca "desempregados, "quinhentoseuristas" e outros mal remunerados, escravos disfarçados, subcontratados, contratados a prazo, falsos trabalhadores independentes, trabalhadores intermitentes, estagiários, bolseiros, trabalhadores-estudantes, estudantes, mães, pais e filhos de Portugal".Só Lisboa e Porto (de onde a manifestação parte, respectivamente do Cinema São Jorge, na Avenida da Liberdade, e da Praça da Batalha) se coordenaram para a marcha de hoje, reiteraria Paula Gil, por telefone. Todo o resto ficou por sua própria conta. E quem chama para a rua em Guimarães nem fez a comunicação à câmara, como manda a lei. Paula Gil acolheu na sua própria casa as duas dezenas que se juntaram a ela e aos outros mentores do Protesto Geração à Rasca em Lisboa. No Porto, o "quartel-general" das duas dezenas foi o Café Aviz. Numa e noutra cidade, alongaram-se reuniões semanais, nocturnas. A tratar da logística. E a debater problemas inesperados como o aparecimento de um grupo que se apropriou da imagem do movimento e emitiu um comunicado a pedir a demissão de toda a classe política. Sem imaginar se outros se reuniam e em que moldes. Na última quarta-feira, no Aviz, ultimavam-se detalhes em torno das mesas encaixadas em forma de U e cobertas com uma toalha azul e branca. "Quem vai ler o manifesto?", perguntava uma rapariga. "A do costume", ria-se outra. A do costume era Inês Gregório, de 29 anos, que, com João Moreira, de 23, haveria de sair dali porta-voz dos "descontentes" com o desemprego e com a precariedade. Não são todos inexperientes.
No grupo de Lisboa, Paula Gil é filiada no BE, Alexandre de Sousa Carvalho pertenceu à JCP, João Labrincha à JS. No grupo do Porto, também se podem detectar exemplos de actual ou antiga actividade cívica: José Miranda é do BE, Inês Gregório militou na JCP, Cristina Andrade e Adriano Campos integram o Fartos Destes Recibos Verdes. "Uma pessoa que faça parte de um partido não deve sentir-se limitada na sua participação", explicava Adriano Campos, estudante de Sociologia, de 26 anos. Mas a sua participação faz-se a título individual. "Para o bem e para o mal, há muita gente que pergunta: "Isto é de algum partido?"", lembrava João Moreira, professor de História a ensinar História da Arte. E é a resposta negativa que as sossega, que as faz pensar em sair à rua hoje.No protesto cabem pessoas de to- das as religiões e pessoas sem religião, pessoas de todos os partidos e pessoas de nenhum partido. E é essa, salienta Paula Gil, a força do movimento, que soma perto de 60 mil adesões na mais popular rede social. Não imagina quantas pessoas aparecerão.
Apareçam quantas pessoas aparecerem, "o objectivo está conseguido": fomentar o debate, a democracia participativa. E se aparecerem grupos identificados, como os anarquistas do Terra Viva?, questionava Alexandre Afonso. Prevendo isso, a PSP remetera para o ocorrido na cimeira da NATO: os grupos identificados com bandeiras ou outros elementos foram convidados a ficar no fim da marcha. Pelo menos em Lisboa e Porto aparecerão alguns. "Só os devemos excluir se tiverem uma atitude violenta", advogava Alfredo Martins, colhendo consenso. Não ter um aparelho por trás é uma força, mas também uma fraqueza, admitia Paula Gil. Sem uma estrutura, como é que tudo se organiza? Sem dinheiro, com boa vontade, resumia Cristina Andrade. Adriano usa a expressão "manifestação low cost". Para a colagem de cartazes, por exemplo, trouxera baldes e trinchas. Ana Vieira, estudante de Psicologia, sacara a receita de cola da Internet. "Ferveu que foi uma maravilha." Aquela última reunião no Aviz era bem reveladora do espírito de desenrascanço de quem monta o protesto - estudantes, desempregados, empregados em situação precária, "pré-emigrantes", uma trabalhadora com contrato. "Quantos megafones temos?", perguntava Alfredo Martins. Três. Sara Cruz, a rapariga que fora a uma fábrica pedir tecido para as faixas, também fora "aos chineses" procurar megafones. Vira-os a cinco euros. Adriano comprometia-se a comprar dois. E Cristina outros dois: "Nunca se sabe quando vai ser preciso." Já iam em sete. Quem os seguraria? Cristina tornava a chegar-se à frente: "Não sinto que tenha nascido para isso, mas é importante. Os megafones é que ditam as palavras de ordem." Ana Vieira seguia-lhe o exemplo: "Eu sou peixeira que chegue!" As palavras de ordem ficavam reservadas para hoje. João Moreira só desvendava: "Não queremos fazer uma coisa à CGTP." "Queremos fazer uma coisa mais animada", enfatizava Adriano Campos. "Não precisamos de ir a chorar: "Ai o nosso futuro! Para onde vamos?!"" "A luta é alegria", dizia, citando os Homens da Luta, que com outros artistas devem hoje participar. Na Avenida da Liberdade, em Lisboa, espera-se que cada um leve a sua folha A4 com uma ideia para o país. No Porto, há cartolinas e canetas para quem na Praça da Batalha sentir um impulso de última hora para fazer o seu cartaz - ao som de músicas de ontem e de hoje. Do Zeca Afonso, do José Mário Branco, do Sérgio Godinho, mas também dos Deolinda ou dos Homens da Luta. E cinco mil folhas brancas.
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