segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Uma crónica alfacinha.





Uma crónica alfacinha

Corre uma polémica sobre urbanismo lisboeta no jornal inglês The Guardian. A jornalista Rachel Dixon, do suplemento de viagens, veio a Lisboa e escreveu em finais de Janeiro sobre o projecto da Câmara Municipal de Lisboa que tem coberto de grafitis prédios que estão abandonados. Quem passou recentemente pela Avenida da Liberdade ou pela Fontes Pereira de Melo já deu de caras com exemplares desta ideia, prédios enormes que já foram lindíssimos e que serviram agora de tela para grafiters e outros artistas urbanos.

A jornalista inglesa escreveu um texto chamado "Splach urbano: arte de rua em Lisboa" (http://www.guardian.co.uk/ travel/2011/jan/29/ graffiti-street-art-lisbon-portugal) e elogia o projecto Cronos, dizendo que esta é uma forma de a cidade recuperar para si estes prédios, em vez de, nas suas palavras, "abandonar-se a herança decadente de Lisboa aos empreiteiros". Para ela, assim se faz também a distinção entre grafitis, assinaturas, tags e outros rabiscos que poluem visualmente a cidade, e outros que são obras de arte.

Estas palavras levaram um arquitecto inglês residente em Lisboa, John Chamberlain, a responder à jornalista, com palavras duras, contrapondo que não há nada de interessante em mascarar os prédios devolutos com pinturas engraçadinhas, ou, mais uma vez nas suas palavras, «cobrir más vistas com arte alternativa - uma forma de negligência oficial.» (http://www.guardian.co.uk/ commentisfree/ 2011/feb/04/street-art-urban- planning-lisbon-portugal) O arquitecto chama a Lisboa cinderela abandonada.

Esta é uma discussão daquelas em que uns vêem a garrafa meio cheia e outros meio vazia. Tenho tendência a alinhar pela segunda opção. Arrepiei-me quando comecei a ver um dos únicos prédios antigos do primeiro quarteirão da Avenida da Liberdade, branco, lindo, cheio de charme, a ser envolvido num andaime improvisado e nascerem-lhe em cima riscos feitos por latas de tinta. Estes grafitis têm para mim o mesmo efeito de uma compacta maquilhagem na cara de uma matrona de inevitáveis rugas. É ridículo.

A única forma de convencer-me a gostar destes gatafunhos era a certeza de que esses prédios iriam, aos poucos ser todos recuperados. Que isso implicava a consciência da riqueza urbana e artística que eles significam e que essa riqueza obviamente não ia ser desperdiçada, num país pobre como Portugal e numa cidade nas lonas como Lisboa. Que mais nenhuma obra destas ia desmoronar-se de podre, como continua a acontecer por toda a cidade.

Tudo isto tem muito a ver com a nossa pobreza endémica - de bolso e de espírito. Dos que não têm dinheiro para comprar uma casa recuperada e dos que preferem o chão flutuante e a aspiração central das casas dos subúrbios. Tudo isto não é, obviamente, responsabilidade única da actual câmara, a mesma que teve esta ideia desesperada dos grafitis. Mais do que todas as câmaras que deram cabo da cidade, nos últimos cem anos, a maior parte da responsabilidade do estado a que Lisboa chegou é dos seus moradores. Se queremos que a cidade seja a nossa casa ela tem de começar à nossa porta, que tem de estar limpa, nas nossas varandas, sem marquises, nos nossos logradouros, vividos.

Todos nós contribuímos para o actual estado de coisas, pela passividade com que continuamos a ver prédios lindos a serem destruídos para construção de mamarrachos sem a mínima ambição arquitectónica. No estado em que as coisas estão, eu dava tudo para ter as avenidas cheias de arranha céus vanguardistas. Agora não me dêem é prédios degradados mascarados com gratifis. Esses, eu prefiro passar sem ver, dispenso que me chamem mais a atenção para eles.

(in JN).

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