quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Bairro de Marinheiros.





Lisboa
Ruas revelam Bairro de marinheiros
por INÊS BANHA

Passeio inserido no Dia do Bairro Alto contou história e histórias do local que hoje é de diversão nocturna

No século XVI, o Bairro Alto era um lugar de marinheiros. Cinco séculos depois, as histórias desse tempo estão gravadas na toponímia do bairro típico lisboeta. No Dia do Bairro Alto, que decorreu ontem, Elisabete Rocha, do serviço educativo da Hemeroteca Municipal de Lisboa, foi a guia de um passeio por ruas cheias de história e de histórias.

Quando, com os Descobrimentos, Lisboa se transformou numa cidade cosmopolita, os marinheiros viram-se obrigados a fugir da Ribeira das Naus. O local escolhido foi uma urbanização que começara a surgir em 1513 e que hoje é o Bairro Alto. Os vestígios desse tempo estão um pouco por todo o lado, no bairro que hoje é conhecido pela sua vida nocturna.

A Rua das Gáveas seria, por exemplo, a artéria onde viveriam os gáveas - "os homens que subiam aos mastros dos navios" para fazer a vigia, explicou Elisabete Rocha. As gáveas eram, precisamente, os cestos que estavam no topo do mastro.

Mais a norte, na Travessa da Queimada, seria o ponto de encontro de todos os homens do mar e onde estes faziam fogueiras, ou seja, queimadas, para se aquecerem. No entanto, existe também a possibilidade de o topónimo se dever ao arrendamento por parte de uma fidalga que lá terá morado: dona Ana Queimada.

O que é certo é que uma eventual referência às lides marítimas volta a aparecer na Rua das Salgadeiras. O local seria, no século XVI, "uma zona de salgas", onde se salgava o peixe, de modo a conservá--lo até que fosse para o mercado para ser vendido. Outra hipótese para o nome desta rua seria, segundo a técnica da Hemeroteca, a existência de "uma espécie de erva", a salgadeira, "cujas raízes faziam com que o terreno não se desfizesse com tanta facilidade".

Mas nem todas as referências ao mar presentes na toponímia do Bairro Alto chegaram aos dias de hoje. A Rua do Diário de Notícias, assim chamada por nela se ter localizado, durante várias décadas, a sede do jornal, foi em tempos a Rua dos Calafates. Estes homens calafetavam (vedavam) os navios para que pudessem ir para o mar, sendo os marinheiros mais bem pagos, tendo direito um criado.

Porém, nem só de mar se escreve a história do Bairro Alto. Na Travessa da Água-da-Flor, onde terá vivido um afamado fabricante ou vendedor daquele perfume, teve lugar o episódio que deu origem à palavra "conto-do-vigário".

Terá sido entre os números 24 e 26 que, no século XIX, foi encontrado o padre Manuel Vicente, depois de ter sido embebedado e de ter sido convencido a vender a sua casa por 7500 réis. A história correu os jornais da época, que utilizaram como manchete "o conto- -do-vigário", disse Elisabete Rocha.

Mas não se pense que foi apenas nas últimas décadas que o Bairro Alto se tornou num espaço de noctívagos. A Travessa da Espera, por exemplo, deve o seu nome aos muitos boémios que, em séculos anteriores, elegiam aquela artéria como ponto de encontro. Na altura, havia duas tascas extremamente frequentadas: a Primavera e o Farta Brutos, que existe ainda hoje, no formato restaurante .

Para Elisabete Rocha, da Hemeroteca Municipal de Lisboa, "a toponímia não é só um nome, mas o que ele revela." No caso do Bairro Alto, que fez ontem 497 anos, a matéria é particularmente interessante por permitir conhecer "a história do local", ao contrário do que acontece nas avenidas novas. Nessas, defende, o que se faz é prestar homenagem a figuras importantes da nossa história.

(in Diário de Notícias).

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