Se no dia 5 de Outubro de 1910 alguém tivesse avançado com a previsão de que dali a um século o Arquivo Municipal de Lisboa não teria instalações próprias e só estaria parcialmente acessível aos cidadãos poucos teriam acreditado. Mas hoje, após 100 anos de República (quase metade em ditadura) essa é a triste e crua verdade.
Se amanhã eu solicitar ao Arquivo Histórico da minha cidade a consulta de um documento serei informado de que não é possível - porque desde o dia 28 de Outubro de 2002 que está encerrado. E se pretender consultar toda a documentação de um qualquer imóvel terei de me deslocar ao Bairro da Liberdade, na periferia da capital. Aí, numa área urbana degradada, vou encontrar nas garagens de um banal prédio de habitação social o Arquivo Intermédio da minha cidade. Em dias de chuva, funcionários e munícipes têm de se desviar das águas pluviais que invadem a sala de leitura. Quanto ao terceiro pólo, o Arquivo do Arco Cego, está metido numa casa do Bairro do Arco Cego e é um milagre ainda não ter sido consumido por um incêndio. A Hemeroteca Municipal, onde se guardam alguns tesouros dos primórdios da República, é vítima do mesmo fado, aguardando por urgentes obras de reabilitação do envelhecido e cada vez mais podre Palácio dos Condes de Tomar (Bairro Alto).
No dia do centenário da República não podemos deixar de críticar os sucessivos governos e o município por se terem esquecido, mal tratado até, o Arquivo de Lisboa. Em anos recentes nenhum político teve visão para perceber que a inauguração de um novo Arquivo Municipal de Lisboa - a cidade a quem a República deve tanto - teria sido uma das melhores maneiras de comemorar o centenário. Em vez disso escolheram como centro das comemorações a grande praça real do país, o "Terreiro do Paço", cenário no mínimo incongruente para celebrar os valores da República. Ainda assim, verificamos que a reabilitação da Praça do Comércio (sem dúvida necessária e importante) está longe de concluída e envolta nas maiores polêmicas. A nossa classe política fala, e trata com sentido de urgência, em alienar imóveis do Estado e do Município para a instalação de unidades hoteleiras de luxo. Mas não se esforçam minimamente em encontrar uma casa para albergar os Arquivos da capital. Preferem brincar à "capital do charme" em vez de investirem e trabalharem na conservação e divulgação da História da capital.
Que tipo de República será a nossa quando os cidadãos ficam pura e simplesmente privados de consultar o Arquivo Histórico da sua capital durante oito anos? Ninguém questiona que a capital da centenária República Portuguesa merece um Arquivo digno da sua História. Mas também restam poucas dúvidas de que não há políticos à altura dessa tarefa.
Fotos: O Arquivo Histórico e o Arquivo Intermédio estão arrumados temporáriamente nas garagens do bloco de habitação social que se vê ao fundo da imagem 1. A imagem 2 mostra a envolvência da entrada dos arquivos municipais.
FERNANDO JORGE
1 comentário:
Boa tarde,
Quero apenas acrescentar que tentei colocar o acervo do Clube Naval de Lisboa, fundado em 1892, que possui um dos maiores espólios do desporto náutico português, no Arquivo da CML. Nem obtive resposta.
Então, por minha iniciativa, este acervo, o da Associação Naval de Lisboa, fundada em 1855 (uma das dez associações mais antigas do mundo) e da Federação Portuguesa do Remo, fundada em 1920, estão colocadas no Arquivo Municipal de Cascais que desde logo se disponibilizou para vir buscar os arquivos a Lisboa. Neste momento estão a ser tratados, digitalizados e serão colocados na Net para consulta pública. Grandes diferenças existem entre estas duas Câmaras em iniciativas culturais e desportivas. Verificando nós o tratamento dado ao Clube Naval de Cascais, fundado nos anos quarenta a partir de uma secção do CNL, pela Câmara de Cascais e o respeito que a CML tem pelos centenários clubes náuticos de Lisboa...
Carlos Henriques
Enviar um comentário