quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Aqui caiu a República.



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Moradores do Bairro Alto invadem hoje a Câmara
Moradores do Bairro Ato exigem sossego

Cansados do ruído e do lixo que, aos fins-de-semana, invadem o Bairro Alto, em Lisboa, um grupo de moradores vai hoje, quarta-feira, exigir medidas ao executivo camarário. Há quem use tampões nos ouvidos e comprimidos para dormir, mas nem assim escapam ao barulho.

“Queremos dizer ao senhor presidente que é preciso dizer basta. Ele que deixe de se preocupar tanto com os gatafunhos nas paredes e limpe as ruas”, diz “Maria”, uma das moradoras, que prefere não revelar a verdadeira identidade por temer represálias.

Esta moradora, que fará parte do grupo que hoje se desloca à reunião pública de câmara, refere que, além do ruído, há ainda a questão da limpeza, que está a ser feita cada vez mais tarde. “Por vezes, às 10, 11 horas ainda as ruas estão cheias de garrafas”, queixa-se, acrescentando que, recentemente, uma criança sofreu um corte num pé por causa de um vidro.

Nem por magia seria possível conquistar uns minutos de silêncio no Bairro Alto. Os bares e lojas de conveniência são tantos que quem insiste em morar por aquelas bandas já esgotou todos os truques para fugir ao ruído. “São directas, atrás de directas. Dentro das casas, o som dos bares faz estremecer camas, candeeiros e sofás. “Vivemos num autêntico Inferno”, acrescentam.

Quem pode, dorme de dia e faz a lida da casa à noite. Outros tomam comprimidos para dormir ou usam tampões nos ouvidos. Outros ainda, limitam-se a aturar as tropelias e insultos, rezando para que amanheça depressa. “Eles tentam arrombar-nos as portas para se drogarem ou fazerem sexo. Sentam-se nas soleiras das portas, encostam-se e andam ali aos encontrões”, queixa-se, por sua vez, “Isabel”. Um dos moradores até arranjou uma artimanha para impedir que a soleira servisse de banco, mas desistiu de ali morar e foi para casa de familiares na margem Sul do Tejo.

E como se não bastasse o ruído e as pilhas de garrafas nas ruas, o cheiro a haxixe que entra pelas casas adentro, os insultos e os arrombamentos, há ainda os roubos insólitos. A Gracinda, roubaram-lhe as cuecas do estendal, no primeiro andar da varanda. O roubo terá pesado na consciência do ladrão, que lhe deixou cinco euros.

Gracinda diz que já nem ousa chamar a atenção de ninguém. “Se pedimos silêncio, somos insultados e ameaçados. Ficamos com medo. O problema é que há bares a mais. Cada rés-do-chão que fica vago é um bar que abre”.


“Rosa”, outra moradora, nem queria acreditar quando, há poucas semanas, foi ofendida apenas por estar a tossir na cama. “Ó velha, vê lá se te calas”, gritavam os jovens que estavam sentados junto à sua porta. E Rosa, lá foi para a cozinha, o local mais afastado da entrada da casa, onde ficou alguns minutos a acalmar a tosse.

Manuel Madureira fala sem reservas e garante que, um dia destes, “passa-se dos carretos”. No mínimo, diz, alguém vai levar com um balde de água na cabeça. Conta que um grupo andou pelas ruas a tocar trombone até às quatro da madrugada. Sem pudores, diz que sente saudades dos tempos em que o único problema era a prostituição. “Ao menos respeitavam os moradores”.

E só não há mais queixas, dizem em surdina, porque há bares que “gratificam” os moradores para que estes não reclamem.

(in Jornal de Notícias).

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