segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Lisboa a desabar: o olhar de Fernando Jorge.









Este prédio de rendimento foi erguido pelo cidadão Francisco Pereira de Almeida nos primeiros dias da jovem República Portuguesa. O projecto foi aprovado a 27 de Outubro de 1910. No nº 12 funcionava a Leitaria Alentejana cujo dono, o Sr. Sengo, acolheu Fernando Pessoa numa altura crítica da sua vida. Pessoa aqui viveu durante dois anos, num sótão, entre 1915 e 1916.


Desde o início de Julho que o prédio está a ser demolido. Após "profunda análise" foi decidido pela CML aprovar a demolição e proceder ao licenciamento de uma nova construção com quase o dobro de área construída. Depois de muitos anos a tentar, a empresa proprietaria (Cáfe) conseguiu o que pretendia, ou seja, degradar até ao limite o imóvel para assim fazer a clássica especulação imobiliária. De facto, durante anos a empresa abandonou o imóvel, abrindo portas, janelas - tendo até o atrevimento de iniciar a demolição ilegal da cobertura (Outubro 2007)! Depois de anos e anos à chuva e à mercê de vandalismos vários, a CML vem agora dizer que o imóvel já não é recuperável. A CML apenas se esqueceu de apurar, e penalizar, os responsáveis por esta condição de "irrecuperável". Os munícipes só podem concluir que em Lisboa o crime contra o património compensa.

Assistimos este ano a uma série de celebrações bizarras do Centenário da República. No início do ano acordamos com a destruição do prédio desenhado pelo Arq. Ventura Terra (Vereador da primeira Vereação Republicana) na Av. da República 46. Agora a CML abençoa a demolição integral deste prédio contemporâneo da implantação da República e com a mais valia de ter sido morada do poeta Fernando Pessoa.

Alguém se lembra de um presidente da CML, chamado Santana Lopes, ter prometido aos lisboetas que este prédio não seria demolido? Provavelmente já poucos se lembram. E dentro de algumas semanas menos lisboetas se vão lembrar deste prédio no Bairro da Estefânia que durante dois anos foi a casa de Pessoa.

Que futuro para as outras moradas de Pessoa que ainda restam na cidade de Lisboa?

Estarão identificadas e protegidas no PDM?

A Casa Fernando Pessoa tem algum projecto para, por exemplo, identificar através de placas os imóveis onde Pessoa habitou?

Fernando Jorge

2 comentários:

Bic Laranja disse...

Já tinha visto. Têm-no demolido à dentada, os malandros.
O seu desabafo e os que eu já emiti não passam dum estrebuchar moribundo. Lisboa é que se esqueceu de nós; há muito que faleceu.
Cumpts.

Sandra disse...

Uma VERGONHA! A impunidade total numa cidade que nem sequer se respeita a si mesma. O fim!