sábado, 24 de julho de 2010

Circocittá.

Artistas de circo “despejados” de parque no dia 2 de Agosto

Telma Roque
A Câmara de Lisboa inicia, a 2 de Agosto, o desmantelamento coercivo do parque dos artistas de circo, situado em Carnide, Lisboa. O aviso já foi afixado nos portões do terreno, deixando os moradores em estado de choque. “Para onde iremos agora?”, perguntam.

Há muito que se esperava a “sentença de morte” daquele espaço, mas o processo arrastou-se por tantos anos que a maior parte dos moradores foi sempre acreditando num desfecho favorável. Puro engano. Falta uma semana e não sabem o que fazer ou para onde ir. É uma espécie de caldeirão problemático que a autarquia tem ainda a cozinhar.

?A minha vida é aqui dentro. O que é que eu vou fazer com 1560 euros de indemnização?? questiona Albertina Vilhena, acrescentando que apresentou um recurso hierárquico e aguarda decisão, por a Câmara considerar que não está ali de forma permanente.

Júlio Porto, de 83 anos, que já foi palhaço rico e tocador de violino, já tem nas mãos uma indemnização de 28402 euros, mas não sabe o que fazer com o dinheiro. A Câmara ofereceu-lhe casa, mas Júlio não gostou do bairro.

O velho palhaço, prefere um terreno para pousar a sua rulote, mas não encontra nada à venda abaixo do dinheiro que recebeu e que tenha garantido acesso a água e luz. ?Não posso viver no mato e se fosse para um parque de campismo com a minha rulote de 12 metros de comprimento torrava o dinheiro num ano?, argumenta.

Natacha Pereira vive sozinha com um filho de cinco anos e espera a chegada de outro no próximo mês. Já sabe que não terá direito a qualquer compensação. “Alguém enviou uma carta anónima à Câmara a dizer que eu tinha uma casa em Massamá, mas é mentira e já o provei. Foram dizer que eu não morava cá, mas vivo aqui desde os três anos”, garante.

Foi em 2004 que Natacha Pereira pisou pela última vez o palco de um circo. Foi como empregada numa empresa de limpezas que encontrou sustento. O stresse dos últimos dias obrigou-a entrar de baixa. “Os meus pais estão separados e cada um fica com uma casa. Ou escolho ir viver com um deles ou tenho que ir para casa do meu irmão, que é casado”, diz.

Francelina Ferreira também tem 1560 euros numa mão e incertezas na outra. Vive com a filha numa rulote que era da mãe e que, se tentar transportar para outro local, se parte aos pedaços.

Segundo dados da autarquia, 16 dos 67 agregados já foram realojados e outros seis aguardam casa. Dez rejeitaram os fogos propostos, a maioria por não gostar do ambiente do bairro ou da dimensão dos fogos.

A Câmara já indemnizou 13 famílias e negou realojamento a 12 agregados, 11 dos quais por “falta de residência permanente no parque” (alguns tinham alternativa habitacional) e um por já ser co-habitante num fogo municipal. Cinco famílias interpuseram recursos hierárquicos sobre a exclusão e outros cinco agregados estão em instrução do processo.

O parque dos artistas de circo foi criado nos anos 80 para acolher caravanas e rulotes dos artistas de circo, mas, pouco a pouco, a filosofia foi desvirtuada e começou a ser habitado de forma permanente. No terreno, entre a Casa do Artista e as oficinas do Metropolitano, será construído um centro de saúde, obra há muito projectada, mas adiada devido ao impasse dos realojamentos.

Tem direito a realojamento quem prove residir no parque de forma permanente e não tenha alternativa habitacional. Têm que constar dos resenceamentos feitos ou fazer prova de residência permanente.

As indemnizações são atribuídas aos agregados residentes desde 1998 recenseados no PER ou no processo de realojamento de 2001, com membros que exerçam ou tenham exercido a profissão no circo. As indemnizações variam entre os 28402 e os 54618 euros e são uma alternativa ao realojamento. Quem não habita o parque de forma permanente tem direito a uma “indemnização por sacrifício”, que corresponde ao valor médio que o agregado pagaria para parquear a caravana ou rulote durante dois anos num parque de campismo da Grande Lisboa, ou seja, 1560 euros

(in Jornal de Notícias).

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