segunda-feira, 29 de março de 2010

Casa de Alcolena.

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Ampliação da casa da Rua de Alcolena é como pintar uns "bigodes à Gioconda"
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Historiadora de arte diz que obra licenciada pela autarquia descaracteriza a habitação que tem uns painéis de Almada Negreiros - uma "obra de arte total" que deveria ser um museu

A ampliação da casa conhecida por ter painéis de azulejos de Almada Negreiros, na Rua de Alcolena, em Lisboa, vai "descaracterizar e destruir" aquele que é "um dos mais belos e raros exemplos de diálogo inter-artes em Portugal no século XX". Quem o diz é a historiadora de arte Barbara Aniello, que acusa a câmara de Lisboa de ter autorizado uma obra com consequências tão devastadoras "como fazer bigodes à Gioconda".
Os trabalhos na Rua de Alcolena arrancaram no dia 19 de Março, segundo uma denúncia do Fórum Cidadania Lisboa (ver caixa), com "obras de preparação do trecho de terreno à direita da moradia número 28, para construção de um edifício geminado". A habitação original foi projectada na década de 1950 pelo arquitecto António Varela e saltou para as páginas dos jornais no início de 2009, quando a autarquia recebeu um pedido de demolição que veio a ser indeferido.

O projecto que está agora a ser desenvolvido, da autoria do atelier do arquitecto Vasco Massapina, viria a ser aprovado uns meses mais tarde, em Julho do ano passado, e inclui a construção de um segundo corpo ao lado da vivenda que se encontra em processo de classificação. Nessa altura, o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, garantiu que o projecto mais recente "salvaguarda todas as questões patrimoniais e respeita integralmente o Plano Director Municipal".
Mas não é essa a opinião de Barbara Aniello, que desenvolveu, em 2009 e com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, uma monografia sobre a dita habitação privada. Depois de três meses a estudar o caso para um projecto de pós-doutoramento intitulado "O diálogo inter-artes em Portugal no século XX", esta especialista afirma que ficou "desolada"quando percebeu o destino da casa.

Isto porque, explica a investigadora, o projecto de ampliação em curso "não só anula a continuidade do jardim simbólico" - em que cada árvore e elemento decorativo tinha sido escolhido a dedo pelo seu significado - "como apaga o alçado sudeste da casa, cancelando a sua perspectiva geométrica, o seu valor cúbico, a sua orientação metafórica".
Além disso, o anexo a construir "altera também o propositado jogo entre simetria e assimetria do edifício, pensado colectivamente pelo arquitecto António Varela, pelo poeta José Manuel Mota Gomes Fróis Ferrão, pelo pintor José de Almada Negreiros e pelo escultor António Paiva". Devido a esse "carácter inter-artístico", o número 28 da Rua de Alcolena é, resume a historiadora de arte, "uma verdadeira obra de arte total" que importa preservar como tal.

Por essa riqueza e também pela sua "colocação no panorama histórico e geográfico de Lisboa, a sua unicidade e unidade", a investigadora entende que a moradia que ganhou notoriedade pelos painéis de azulejos que exibe "poderia perfeitamente acolher um museu ou um centro de estudo permanente dedicado a Almada Negreiros". O trabalho desenvolvido por Barbara Aniello está disponível na Internet, em http://casadaruadealcolena.blogspot.com/.

(in Público).

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