Gravura de Henry L'Eveque, 1809
.
Henry L’Eveque gravou em 1809 a Ribeira de Alcântara passando sob o arco grande do aqueduto. Os caminhos-de-ferro ainda não tinham atravessado a Quinta da Rabicha. Ainda não existia a fábrica de cola construída junto da ponte do Tarujo. Na mesma gravura de L’Eveque, um grupo aproveita os bons ares desfrutando um piquenique ao som de uma guitarra. Esta cena foi mais tarde reproduzida por Roque Gameiro, que morou numa casa na antiga Quinta das Grades e que ainda hoje existe junto da Escola básica do 1.º ciclo Mestre Querubim Lapa na Travessa Estêvão Pinto [de Morais Sarmento], a qual nos levava à Quinta da Torre [de Estêvão Pinto] e é hoje a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.
.
Desenho de Roque Gameiro, 1931, segundo a gravura de L'Eveque
.
À história de Campolide e em particular à do Aqueduto anda associada os crimes de Diogo Alves. Em 1839 começaram a aparecer cadáveres esmigalhados nas pedras da ribeira, registando-se até Junho desse ano 76 mortos. O povo, apavorado, atribuiu os crimes a Diogo Alves e à sua quadrilha, que roubavam as pessoas no Passeio dos Arcos e as silenciavam definitivamente. Havia quem dissesse que se tratava de suicídios, mas de qualquer modo, eram vítimas demais. Em 1840, Diogo Alves foi preso por outro crime, julgado, e enforcado em 1841, sem nada constar da sentença sobre os crimes do aqueduto, daí que, Norberto de Araújo, em “Peregrinações de Lisboa”, recuse estes actos como explicação do encerramento do aqueduto, dizendo que estes são mais “fantasia que realidade”.
A verdade é que a cabeça de Diogo Alves acabaria enfrascada em formol, e se encontra hoje no no Teatro Anatómico da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, na sequência da formação de um gabinete de frenologia por José Lourenço da Luz Gomes.
A verdade é que a cabeça de Diogo Alves acabaria enfrascada em formol, e se encontra hoje no no Teatro Anatómico da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, na sequência da formação de um gabinete de frenologia por José Lourenço da Luz Gomes.
.
Cabeça de Diogo Alves em formol
.
Uma campanha liderada por A. F. Castilho na «Revista Universal Lisbonense», e apoiada pela Junta de Freguesia de S. Sebastião, propunha o encerramento da passagem. Ainda se pensou num gradeamento lateral, mas a Câmara achou exagerado o custo de 14 contos. Os mortos continuavam a aparecer e fechou-se a passagem em 1844. Reclamaram as gentes de Benfica que se sentiam prejudicadas por não usarem aquele acesso à cidade. A Câmara voltou a abrir o Passeio dos Arcos. Mais vítimas. A Junta de Freguesia acabou por conseguir o encerramento a 12 de Agosto de 1852.
Voltaram a tranquilidade e as merendas nas hortas. Júlio César Machado, em 1860 relata uma célebre patuscada em que participou na Rabicha com Ramalho Ortigão, Antero de Quental, Jaime Batalha Reis, João Bumay, Alberto Queirós e Oliveira Martins. Ao todo, eram sete e iam «compor uma caldeirada em seis cantos», isto é, um por garfo, já que João Bumay mandou vir um rosbife. Enquanto o «Machadinho» preparava o petisco, foram fazer tempo até à estrada de Campolide, onde trabalhadores reparavam o pavimento. Recolheram um pingo de suor num lenço, e em divertida procissão levaram-no ao cozinheiro que foi baptizado com o “suor do povo”.
Além da Quinta da Rabicha, havia outros retiros, como o Ferro de Engomar, o mais antigo com esse nome. Foi aí que se tomou célebre um dos primeiros cantadores de fado, de nome José Norberto e por alcunha o «Saloio de Campolide».
É muito provável que os retiros e hortas de Campolide tivessem sido mesmo dos primeiros sítios onde surgiu o fado e o seu antecessor “lundum”. Assim se deduz de uma notícia datada de 1780-1785 referente à Quinta de S. João dos Bem Casados. Residia ali D. Joana Perpétua, irmã do Duque de Lafões, quando, devido aos bons ares do lugar, vieram os «reais meninos» tratar-se da tosse convulsa. Para os distrair, «ela mandou vir os pretos da Rabicha que cantaram modinhas à viola e dançaram o “lundum”». O costume dos lisboetas irem para as hortas da Rabicha teria começado quando o aqueduto estava em construção, e nos domingos as gentes da cidade acorriam junto à ribeira para admirar as obras.
.
Cabeça de Diogo Alves em formol
.
Uma campanha liderada por A. F. Castilho na «Revista Universal Lisbonense», e apoiada pela Junta de Freguesia de S. Sebastião, propunha o encerramento da passagem. Ainda se pensou num gradeamento lateral, mas a Câmara achou exagerado o custo de 14 contos. Os mortos continuavam a aparecer e fechou-se a passagem em 1844. Reclamaram as gentes de Benfica que se sentiam prejudicadas por não usarem aquele acesso à cidade. A Câmara voltou a abrir o Passeio dos Arcos. Mais vítimas. A Junta de Freguesia acabou por conseguir o encerramento a 12 de Agosto de 1852.
Voltaram a tranquilidade e as merendas nas hortas. Júlio César Machado, em 1860 relata uma célebre patuscada em que participou na Rabicha com Ramalho Ortigão, Antero de Quental, Jaime Batalha Reis, João Bumay, Alberto Queirós e Oliveira Martins. Ao todo, eram sete e iam «compor uma caldeirada em seis cantos», isto é, um por garfo, já que João Bumay mandou vir um rosbife. Enquanto o «Machadinho» preparava o petisco, foram fazer tempo até à estrada de Campolide, onde trabalhadores reparavam o pavimento. Recolheram um pingo de suor num lenço, e em divertida procissão levaram-no ao cozinheiro que foi baptizado com o “suor do povo”.
Além da Quinta da Rabicha, havia outros retiros, como o Ferro de Engomar, o mais antigo com esse nome. Foi aí que se tomou célebre um dos primeiros cantadores de fado, de nome José Norberto e por alcunha o «Saloio de Campolide».
É muito provável que os retiros e hortas de Campolide tivessem sido mesmo dos primeiros sítios onde surgiu o fado e o seu antecessor “lundum”. Assim se deduz de uma notícia datada de 1780-1785 referente à Quinta de S. João dos Bem Casados. Residia ali D. Joana Perpétua, irmã do Duque de Lafões, quando, devido aos bons ares do lugar, vieram os «reais meninos» tratar-se da tosse convulsa. Para os distrair, «ela mandou vir os pretos da Rabicha que cantaram modinhas à viola e dançaram o “lundum”». O costume dos lisboetas irem para as hortas da Rabicha teria começado quando o aqueduto estava em construção, e nos domingos as gentes da cidade acorriam junto à ribeira para admirar as obras.
.
Na Quinta da Torre veio instalar-se, em 1858, o Pde. Carlos João Rademaker, com o intuito de aí organizar "clandestinamente" a sede da Companhia de Jesus, até que, em 1880, passou a sede oficial da Província Portuguesa. Aí se organizou o célebre Colégio de Campolide (que teve a sua inauguração a 28 de Junho desse ano), que serviu de modelo a todos os outros da Companhia e onde se concretizou uma notável reforma pedagógica do ensino em Portugal. O Colégio tinha uma localização esplêndida na quinta que Rademaker comprou ao poeta, jornalista e escritor defensor das ideias miguelistas, João de Lemos. Até 1890, o conjunto edificado, aproveitando muito das casas existentes, tinha a forma quase conventual. Depois de 1904, concluíram-se as obras de remodelação que deram ao Colégio um ar de imponência arquitectónica notável, rectangular; equilibrado e majestoso. A Igreja do Colégio foi consagrada em 1884, e a sua primeira pedra foi lançada a 8 de Dezembro de1879. É fiel à estrutura estilista dos Jesuítas, com elementos clássicos de influência italiana.
.
.
Colégio de Campolide, hoje Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.
Colégio de Campolide, hoje Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.
.
Como podemos constatar, a Quinta da Rabicha foi testemunha de crimes e pândegas, assassinatos e piqueniques. Registada em gravura em 1809 por Henry L’Eveque e mais tarde por outros artistas como Roque Gameiro que por lá morou. Ali se encontraram em retiros e tabernas nomes da nossa literatura como foram Bulhão Pato, Ramalho Ortigão, Júlio César Machado, Oliveira Martins, Antero de Quental, Jaime Batalha Reis e outros. «A cidade morria ali mesmo, aos pés da ribeira da Rabicha», como nos escreve Marina Tavares Dias, no Volume 3 da Lisboa Desaparecida.
Como podemos constatar, a Quinta da Rabicha foi testemunha de crimes e pândegas, assassinatos e piqueniques. Registada em gravura em 1809 por Henry L’Eveque e mais tarde por outros artistas como Roque Gameiro que por lá morou. Ali se encontraram em retiros e tabernas nomes da nossa literatura como foram Bulhão Pato, Ramalho Ortigão, Júlio César Machado, Oliveira Martins, Antero de Quental, Jaime Batalha Reis e outros. «A cidade morria ali mesmo, aos pés da ribeira da Rabicha», como nos escreve Marina Tavares Dias, no Volume 3 da Lisboa Desaparecida.
.
.
.
.
.
A Quinta da Rabicha foi cortada pelo caminho-de-ferro de Sintra. Ficava debaixo do arco grande do Aqueduto. Diogo Alves, com os seus bandidos, atirava dali abaixo, depois de roubados, os passeantes de todas as classes, que iam admirar a vista daquele delicioso subúrbio da cidade! A princípio atribuíam-se a suicídios os nefandos crimes.
«A Quinta da Rabicha era pequena e em forma de triângulo. Toda colmada de um odorífero e viçoso pomar, que dava primorosas laranjas. Água abundante e corrente. A menidade do sítio contrastava com os rochedos escalvados, que diziam para o poente. Nos arredores de Campolide muitas casas em ruínas, esburacadas de balas de fuzil e artilharia, dos assaltos dos realistas à cidade , nos dias nefastos da grande guerra de D. Pedro e D. Miguel.
Na Rabicha, o sumptuoso hotel, ao ar livre, debaixo de um parreiral, ao pé do tanque, sempre transbordando de água, fornecia as pescadinhas de rabo na boca, ovos duros, queijo saloio, pão de Belas, alface repolhuda, a verdadeira alface lisboeta, que nem a de Roma lhe dá de rosto. Era um banquete. Um cruzado novo - 480 réis - sobrava para quatro homens comerem e beberem à farta!
Comparar o preço da alimentação daquele tempo com o de agora produz tonturas de cabeça! Vinho, fora de portas – e as portas eram logo ali, em Alcântara - trinta réis a canada; pão a vinte e cinco; uma pescada do alto, de lombo negro, que chegava para uma família regular, seis vinténs; manteiga de Cork da mais fina, e a melhor que se conhece ou que já se não conhece, onze, doze vinténs, o arrátel!
Fruta de graça e que fruta! A pêra do conde, a marquesa, a correia, a de sete cotovelos, a virgulosa, a colmar. Tudo isso desapareceu, quase completamente. Fizeram-se umas enxertias que, sem produzirem as finíssimas peras francesas, estragaram as nossas.
Em compensação a cidade era uma necrópole e um muladar [estrumeira). Os candeeiros de azeite, a respeitosa distancia uns dos outros, bruxuleavam mortiços e fumosos. Nas noites em que a folhinha dava lua, embora os cúmulos toldassem o céu tempestuoso, não se acendiam! Da boca da noite em diante, dos primeiros aos quintos andares, os gritos constantes de – água vai, ou água foi – como clamava Bocage, vituperando, em termos obscenos, a fregona [criada que em casa se ocupa dos trabalhos mais grosseiros, que o tinha baptizado com os bálsamos nocturnos. Os grilhetas do Castelo, do Limoeiro, da Cova da Moura e do Hospital da Estrela, acorrentados carregando água ou trabalhando nas calçadas. O ónibus, atravessando vagarosamente, pesado e triste como uma tumba, do Pelourinho até Belém.» (Bulhão Pato, «A Quinta da Rabicha», in Memórias, Tomo I, Lisboa, 1894, 2ª ed. , Lisboa, Perpectivas e Realidades, 1986, pp. 67-68).
A Quinta da Rabicha foi cortada pelo caminho-de-ferro de Sintra. Ficava debaixo do arco grande do Aqueduto. Diogo Alves, com os seus bandidos, atirava dali abaixo, depois de roubados, os passeantes de todas as classes, que iam admirar a vista daquele delicioso subúrbio da cidade! A princípio atribuíam-se a suicídios os nefandos crimes.
«A Quinta da Rabicha era pequena e em forma de triângulo. Toda colmada de um odorífero e viçoso pomar, que dava primorosas laranjas. Água abundante e corrente. A menidade do sítio contrastava com os rochedos escalvados, que diziam para o poente. Nos arredores de Campolide muitas casas em ruínas, esburacadas de balas de fuzil e artilharia, dos assaltos dos realistas à cidade , nos dias nefastos da grande guerra de D. Pedro e D. Miguel.
Na Rabicha, o sumptuoso hotel, ao ar livre, debaixo de um parreiral, ao pé do tanque, sempre transbordando de água, fornecia as pescadinhas de rabo na boca, ovos duros, queijo saloio, pão de Belas, alface repolhuda, a verdadeira alface lisboeta, que nem a de Roma lhe dá de rosto. Era um banquete. Um cruzado novo - 480 réis - sobrava para quatro homens comerem e beberem à farta!
Comparar o preço da alimentação daquele tempo com o de agora produz tonturas de cabeça! Vinho, fora de portas – e as portas eram logo ali, em Alcântara - trinta réis a canada; pão a vinte e cinco; uma pescada do alto, de lombo negro, que chegava para uma família regular, seis vinténs; manteiga de Cork da mais fina, e a melhor que se conhece ou que já se não conhece, onze, doze vinténs, o arrátel!
Fruta de graça e que fruta! A pêra do conde, a marquesa, a correia, a de sete cotovelos, a virgulosa, a colmar. Tudo isso desapareceu, quase completamente. Fizeram-se umas enxertias que, sem produzirem as finíssimas peras francesas, estragaram as nossas.
Em compensação a cidade era uma necrópole e um muladar [estrumeira). Os candeeiros de azeite, a respeitosa distancia uns dos outros, bruxuleavam mortiços e fumosos. Nas noites em que a folhinha dava lua, embora os cúmulos toldassem o céu tempestuoso, não se acendiam! Da boca da noite em diante, dos primeiros aos quintos andares, os gritos constantes de – água vai, ou água foi – como clamava Bocage, vituperando, em termos obscenos, a fregona [criada que em casa se ocupa dos trabalhos mais grosseiros, que o tinha baptizado com os bálsamos nocturnos. Os grilhetas do Castelo, do Limoeiro, da Cova da Moura e do Hospital da Estrela, acorrentados carregando água ou trabalhando nas calçadas. O ónibus, atravessando vagarosamente, pesado e triste como uma tumba, do Pelourinho até Belém.» (Bulhão Pato, «A Quinta da Rabicha», in Memórias, Tomo I, Lisboa, 1894, 2ª ed. , Lisboa, Perpectivas e Realidades, 1986, pp. 67-68).
.
.
Travessa do Tarujo.
.
4 comentários:
Boas Festas
Que 2010 recupere, limpe e cuide esta cidade!
Simecq.cultura
Eu trouxe um amigo meu de um país africano que não tem muitas condições a nível de estradas, e no final das estadia em Lisboa, ele confessou-me: "Não espera que as ruas e estradas em Portugal fossem tão más..."
Que pena de ver asi a minha querida Lisboa! Passei aminha infancia na Travessa do Tarujo até que foi construída a ponte sobre o Tejo e tivemos que abandonar as casas.Vivo já á mais de 40 anos fora, há uns anos queria encinar á minha filha aonde vivi e me deu até vergonha do abandono de casas, ruas e lixo...é uma pena que deixem todo abandonado...o chafariz da foto encima ainda é do meu tempo, me deu até noltalgia ver que ainda existe.
Muito obrigado e parabens por este interessante blog.
O Retiro Ferro de Engomar existia já cerca de 1850 na quinta da Rabicha. Seria aí que o edifício teria a forma de FERRO DE ENGOMAR , nome dado a Edificações dessa forma. Só em 1918 passou para a estrada de Benfica 439. continuando aí com o Fado pela voz de conceituados artistas , em especial da sua proprietária da altura , Maria do Carmo (Alta) que se acompanhava à guitarra.
AGUÉM ME SABE DIZER DA LOCALIZAÇÃO DESSE RETIRO NA QUINTA DA RABICHA? HAVERÁ ALGUM EDIFÍCIO POR LÀ ; CERTAMENTE EM RUINAS, COM A FORMA DE FERRO DE ENGOMAR?
Enviar um comentário