quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Eunice, de regresso.


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A vida muda num instante, dirá Eunice Muñoz a partir de quinta-feira no Teatro D. Maria II, na pele de Joan Didion, escritora norte-americana que fala da perda e da dor nas memórias que escreveu.
A peça, tal como o livro, chama-se "O Ano do Pensamento Mágico" e nela relata Joan Didion como a morte súbita do marido, o escritor John Gregory Dunne, com quem viveu cerca de 40 anos, seguida da morte da filha, Quintana, se reflectiram na sua vida.
"Estive louca durante uns tempos mas agora já não estou", diz Eunice no centro do palco, sentada numa poltrona, falando para a plateia.
Joan Didion é uma sobrevivente que descobriu quanto é ténue a linha que separa a sanidade da loucura quando, na noite de 30 de Dezembro de 2003, à mesa de jantar, depois de regressar com o marido de uma visita à filha de ambos, hospitalizada com pneumonia e septicemia, John sucumbiu a um ataque cardíaco.
Começou aí a viagem mais difícil de todas, começou aí o seu "Ano do Pensamento Mágico" - uma expressão que aprendeu em Antropologia, utilizada em tribos que acreditavam que, se fizessem um sacrifício a uma divindade, tal teria como consequência a concretização de um desejo.
Joan, apesar de "à superfície parecer racional", de ter autorizado uma autópsia, apanhado do chão da sala as seringas e os eléctrodos do electrocardiograma utilizados pelos paramédicos nas tentativas de reanimação e mesmo lido o obituário no New York Times, achou que o marido voltaria e que ela só precisava de estar só para que ele pudesse voltar.
A filha, Quintana, sobreviveu à septicemia, a uma hemorragia cerebral ocorrida meses depois e acabou por morrer na sequência de uma pancreatite aguda, um ano e meio depois.
Sobre a sua segunda perda, escreveu Joan Didion: "Ela costumava dizer que se o homem mau viesse atrás dela, ela se agarraria à cerca e ele não conseguiria levá-la. Ela largou a cerca a 26 de Agosto de 2005".
Uma reflexão sobre a história do seu amor por John e a história do amor de ambos por Quintana, a saudade e a impotência perante a perda é o que a autora propõe nesta peça, com encenação de Diogo Infante, director artístico do D. Maria II, pela mão do qual Eunice Muñoz, de 82 anos, regressa àquele teatro, onde se estreou há 68 anos - a 28 de Novembro de 1941 - a cuja companhia residente pertenceu durante 23 anos e de onde foi afastada há cerca de oito.
Tal como Joan Didion, Eunice também não acredita na auto-comiseração, declarando-se "muito feliz por estar de volta", num papel que "foi um presente" que Diogo Infante lhe deu.
Por sua vez, o encenador disse-se "honrado" com a oportunidade de trabalhar com "a maior actriz do século", precisando que "não se trata de dirigi-la mas sobretudo de acompanhá-la num processo de criação, fazer com que ele não seja muito solitário, dar-lhe o retorno e o espelho de que todos nós precisamos enquanto estamos a pesquisar".
"A Eunice é uma actriz de uma contemporaneidade extraordinária, está sistematicamente a questionar-se, vive dessa inquietação", frisou Diogo Infante, elogiando "a intuição inata" da actriz e "a sua capacidade para atacar um texto e viver uma história de tal forma pungente" que lhe "facilitou o trabalho".
Com tradução de Pedro Gorman, cenografia e figurino de Catarina Amaro, desenho de luz de Miguel Seabra, vídeo de Pedro Macedo e música original de João Gil interpretada ao piano por Ruben Alves, "O Ano do Pensamento Mágico" estará em cena na sala Garrett do Teatro D. Maria II até 20 de Dezembro, de quarta-feira a sábado às 21:30 e domingo às 16:00.
(Diário de Notícias).

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