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Graffiti. Eles estão a borrifar-se para as paredes da escola
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Até 13 de Dezembro, a escola abandonada na Rua das Gaivotas, em Lisboa, é o recreio de oito graffiters do colectivo VSP
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Pintar as paredes da sala com tintas de todas as cores pode passar pela cabeça de qualquer turma de alunos ensonados na aula de Matemática. Pintar os cacifos, o refeitório e o recreio da escola, sem ser expulso, parece daqueles sonhos que só acontecem quando adormecemos na aula mais aborrecida de sempre. Ou então não. A Câmara de Lisboa emprestou as chaves da escola primária abandonada há cinco anos na Rua das Gaivotas a oito dos melhores graffiters portugueses. O resultado é mais do que colorido: a 5ª exposição do colectivo VSP (Visual Street Performance), o maior evento anual de graffiti e street art do país que começou na quinta-feira. "As casas de banho são o único sítio que não vai ser pintado", diz Leonor Viegas, 26 anos, organizadora da VSP. "Até esta sala de professores é capaz de levar uma rabiscada", confessa num dos momentos em que consegue relaxar numa poltrona velha, nas vésperas da inauguração da exposição. Leonor não é graffiter, mas é ela que trata da logística e da comunicação da VSP. "No meio destes homens todos sou eu que monto as tomadas", desabafa. E já é uma sorte haver electricidade, até porque os graffiters só aparecem para pintar à noite. Em 2008, a câmara emprestou-lhes um edifício abandonado no Bairro Alto. "Era assustador, principalmente para meninas que não gostam muito de ratos..."Falta de material "Professora, vou levar falta de material?", interrompe o writer I am From Lx, que entra na sala para tirar uma lata de spray de um caixote. Está quase a terminar o desenho numa parede do outro lado do edifício, onde o cheiro a tinta fresca é asfixiante. No quadro de giz repousam vassouras e restos de acessórios coloridos das marchas populares. "Eles foram os últimos a usar a escola", explica Leonor. Mas é interrompida outra vez. Time, de 30 anos, quer pintar a parede do pátio da escola. "Vou levar o projector, passa-me a ficha pela janela", pede. Lá fora, projecta um desenho na estrutura e pinta os contornos para depois preenchê-los com tinta. "Tento ir buscar ícones que me influenciaram desde puto. Este ano vou fazer o Speed Racer, da BD japonesa." Time trabalha em óptica e o graffiti é o seu "hobby favorito". O desenho do Speed Racer fica pronto mais rápido do que o esperado. Também já pintou outro ainda maior no corredor da escola. "Cheguei atrasado e por isso é que fiquei no corredor, mas deu para o que queria fazer. Três dias e ficou pronto. Pintar na rua ensina-te a seres rápido a fazer as coisas."Falta de atraso Hibashira, mais conhecido por HBSR, de 28 anos, foi o último a chegar à escola e teve de partilhar a sala com Hium, o DJ Glue dos Da Weasel. "Vim cá há duas semanas limpar o espaço e depois nunca mais meti cá os pés", conta HBSR, enquanto devora um menu de fast-food. "Pensei: 'vou ser o mais atrasado', mas afinal ninguém tinha feito nada." A exposição estava prestes a inaugurar e ainda havia muitas paredes em branco. Hium fica na escola "até às tantas" para acabar o seu trabalho a tempo: várias telas e desenhos que representam "aqueles bonecos de papel que dão para cortar e fazer dobragens".Os writers já estão habituados a trabalhar sob pressão. "É sempre assim. Dizemos 'este ano é que vamos bulir bué', mas fizemos a primeira reunião em Janeiro e só começámos a trabalhar nisto há menos de um mês."Arte, mas efémera Em cada sala da escola ouve-se um estilo de música diferente. HBSR e Hium preferem pintar ao som de drum'n'bass. Klit gosta de música mais pesada. "Dividi a minha sala com o Mar. No outro ano fiquei com o HBSR mas ele é um bocadinho problemático", ri-se. "O trabalho dele tem projecção de vídeo e a sala tem de ficar às escuras." Klit preparou cinco telas para a exposição porque, como estuda e trabalha, não tem "tempo para pintar muita coisa". "E nunca preparo nada sem antes sentir a sala", explica. Hium parece que está num ateliê de arquitectos, mas em vez de maquetas tem telas e latas de tinta em cima da mesa. Mosaik, de 33 anos, pintou sapatos de salto alto que pôs em vitrinas. Vhils esburacou a parede até criar caras.A ideia de que o graffiti é apenas um bando de miúdos a pintar nos muros dum bairro nos subúrbios desaparece facilmente. "As pessoas que chegam à exposição ficam surpreendidas", afirma Klit. "Dizem logo que isto não é graffiti, é arte."Uma arte efémera. Depois da exposição, os oito graffiters voltam a pintar as paredes de branco e a tapar os seus desenhos, como acontece na rua. "Não queremos que depois usufruam das nossas pinturas", explica HBSR. E a Escola das Gaivotas volta à sua vida triste e incolor.
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Até 13 de Dezembro, a escola abandonada na Rua das Gaivotas, em Lisboa, é o recreio de oito graffiters do colectivo VSP
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Pintar as paredes da sala com tintas de todas as cores pode passar pela cabeça de qualquer turma de alunos ensonados na aula de Matemática. Pintar os cacifos, o refeitório e o recreio da escola, sem ser expulso, parece daqueles sonhos que só acontecem quando adormecemos na aula mais aborrecida de sempre. Ou então não. A Câmara de Lisboa emprestou as chaves da escola primária abandonada há cinco anos na Rua das Gaivotas a oito dos melhores graffiters portugueses. O resultado é mais do que colorido: a 5ª exposição do colectivo VSP (Visual Street Performance), o maior evento anual de graffiti e street art do país que começou na quinta-feira. "As casas de banho são o único sítio que não vai ser pintado", diz Leonor Viegas, 26 anos, organizadora da VSP. "Até esta sala de professores é capaz de levar uma rabiscada", confessa num dos momentos em que consegue relaxar numa poltrona velha, nas vésperas da inauguração da exposição. Leonor não é graffiter, mas é ela que trata da logística e da comunicação da VSP. "No meio destes homens todos sou eu que monto as tomadas", desabafa. E já é uma sorte haver electricidade, até porque os graffiters só aparecem para pintar à noite. Em 2008, a câmara emprestou-lhes um edifício abandonado no Bairro Alto. "Era assustador, principalmente para meninas que não gostam muito de ratos..."Falta de material "Professora, vou levar falta de material?", interrompe o writer I am From Lx, que entra na sala para tirar uma lata de spray de um caixote. Está quase a terminar o desenho numa parede do outro lado do edifício, onde o cheiro a tinta fresca é asfixiante. No quadro de giz repousam vassouras e restos de acessórios coloridos das marchas populares. "Eles foram os últimos a usar a escola", explica Leonor. Mas é interrompida outra vez. Time, de 30 anos, quer pintar a parede do pátio da escola. "Vou levar o projector, passa-me a ficha pela janela", pede. Lá fora, projecta um desenho na estrutura e pinta os contornos para depois preenchê-los com tinta. "Tento ir buscar ícones que me influenciaram desde puto. Este ano vou fazer o Speed Racer, da BD japonesa." Time trabalha em óptica e o graffiti é o seu "hobby favorito". O desenho do Speed Racer fica pronto mais rápido do que o esperado. Também já pintou outro ainda maior no corredor da escola. "Cheguei atrasado e por isso é que fiquei no corredor, mas deu para o que queria fazer. Três dias e ficou pronto. Pintar na rua ensina-te a seres rápido a fazer as coisas."Falta de atraso Hibashira, mais conhecido por HBSR, de 28 anos, foi o último a chegar à escola e teve de partilhar a sala com Hium, o DJ Glue dos Da Weasel. "Vim cá há duas semanas limpar o espaço e depois nunca mais meti cá os pés", conta HBSR, enquanto devora um menu de fast-food. "Pensei: 'vou ser o mais atrasado', mas afinal ninguém tinha feito nada." A exposição estava prestes a inaugurar e ainda havia muitas paredes em branco. Hium fica na escola "até às tantas" para acabar o seu trabalho a tempo: várias telas e desenhos que representam "aqueles bonecos de papel que dão para cortar e fazer dobragens".Os writers já estão habituados a trabalhar sob pressão. "É sempre assim. Dizemos 'este ano é que vamos bulir bué', mas fizemos a primeira reunião em Janeiro e só começámos a trabalhar nisto há menos de um mês."Arte, mas efémera Em cada sala da escola ouve-se um estilo de música diferente. HBSR e Hium preferem pintar ao som de drum'n'bass. Klit gosta de música mais pesada. "Dividi a minha sala com o Mar. No outro ano fiquei com o HBSR mas ele é um bocadinho problemático", ri-se. "O trabalho dele tem projecção de vídeo e a sala tem de ficar às escuras." Klit preparou cinco telas para a exposição porque, como estuda e trabalha, não tem "tempo para pintar muita coisa". "E nunca preparo nada sem antes sentir a sala", explica. Hium parece que está num ateliê de arquitectos, mas em vez de maquetas tem telas e latas de tinta em cima da mesa. Mosaik, de 33 anos, pintou sapatos de salto alto que pôs em vitrinas. Vhils esburacou a parede até criar caras.A ideia de que o graffiti é apenas um bando de miúdos a pintar nos muros dum bairro nos subúrbios desaparece facilmente. "As pessoas que chegam à exposição ficam surpreendidas", afirma Klit. "Dizem logo que isto não é graffiti, é arte."Uma arte efémera. Depois da exposição, os oito graffiters voltam a pintar as paredes de branco e a tapar os seus desenhos, como acontece na rua. "Não queremos que depois usufruam das nossas pinturas", explica HBSR. E a Escola das Gaivotas volta à sua vida triste e incolor.
(jornal «i»).
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