quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A Roda dos Expostos.




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A Roda, no Convento dos Cardaes, em Lisboa. Conhece o Convento dos Cardaes? É na Rua de O Século.
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O abandono de crianças, sob as mais diversas formas e práticas, resultou de for­mas de mentalidade permissivas cuja origem remonta a tempos muito recuados.
O abandono, sob a forma de venda, já era legal na antiga Babilónia, como se constata pelo "Código de Hamurabi", e o costume da amamentação mercenária estava largamente difundido e organizado institucionalmente, desde a época romana, onde as amas se congregavam na "Colunna Lactaria", para venderem os seus serviços.
Entre as diferentes práticas de abandono, importa distinguir os recém-nascidos abandonados, normalmente de pais conhecidos, mas momentaneamente impossibilita­dos de garantirem o seu sustento e os expostos ou enjeitados. Estes correspondiam a recém-nascidos ilegítimos, de pais incógnitos ou a recém-nascidos legítimos, mas de pais ignorados, normalmente expostos na Roda, quando esta existia, e com a finalidade de ocultarem o nascimento ou evitarem o ónus do seu sustento, sendo desta forma entregues à caridade pública.
As Rodas, mais ou menos elaboradas, na sua generalidade eram basicamente constituídas por um cilindro oco, em madeira, com apenas uma abertura suficientemente larga para permitir a colocação da criança. Este cilindro estava montado num sistema rotativo, colocado em local estratégico da Instituição de acolhimento e de maneira que, quando a sua abertura estivesse orientada para uma janela exterior de acesso público, a parte de oposta estava orientada para uma janela interior, sendo apenas visíveis as suas «costas», situação que se invertia quando era accionado o mecanismo de rotação, per­mitindo que a criança fosse recolhida no interior, sem que fosse possível ver quem aí a depositara. Juntam-se imagens da Roda montada no Convento das Capuchas, em Santarém e que chegou aos nossos dias.
Em Portugal, o abandono de crianças foi objecto de preocupações legislativas desde o século XVI. As Ordenações Manuelinas, cuja edição definitiva se verificou em 1521, estatuíam no seu Livro I, Tit. LXVII, parágrafo 10º:
"Porém se alguns órfãos que não forem de legítimo matrimónio forem filhos de alguns homens casados, ou de solteiros, em tal caso primeiramente serão constrangidos seus pais, que os criem; e não tendo eles por onde os criar, se criarão à custa das mães; e não tendo uns nem outros por onde os criar, sejam requeridos seus parentes que os mandem criar; e não o querendo fazer, ou sendo filhos de religiosos, ou frades, ou freiras, ou de mulheres casadas, por tal que as crianças não morram por mingua de criação, os mandarão [os juízes dos órfãos] criar à custa dos bens dos Hospitais, ou Albergarias, se os houver na cidade, vila ou lugar ordenados para criação dos enjeita­dos e não havendo […] se criarão à custa das rendas do Concelho; e não tendo o Con­celho rendas por onde se possam criar, se lançará finta [imposto]".
Ficavam ainda definidas as condições de criação por amas de leite e a aprendi­zagem de um ofício.
Estas disposições mantiveram-se em vigor nas Ordenações Filipinas, mantendo o mesmo texto, com pequenas adaptações.
A realidade portuguesa sobre a prática do abandono de crianças, fruto de amores ilícitos, foi glosada por Gil Vicente na Comédia de Rubena, "de falso amor enganada", que conseguiu por algum tempo ocultar o seu estado, até ser descoberta pela criada, que lhe diz:
"- Bien entiendo á mi senhora,
y elle quiéreme cegar […]
Estavades tan bonita
Nueve meses habrá"
A parteira intervém em tom tranquilizador:
"Bem vejo que estais pejada.
Isto é cousa natural,
E muito acontecedeira. […]
Ide-vos minha donzela,
Trazede-me encenso e macella,
E a nêvoda […]
E três onças de canela" […]
Empuxae, minha pombinha,
E veredes quão asinha
Sai o cordeirinho fora
O cóneguinho da Sé"
Revelada a paternidade da criança e perante a ameaça da aparição do pai da parturiente, a parteira aconselha que se procure feiticeira para poder "parir segura":
"Levae-a muito escondida
e trazede-m'a parida
a criancinha engeitá-la
onde seja recolhida" […]

1 comentário:

Miffy disse...

Boa Noite Lisboa SOS:

Pois é claro que conheço o Convento dos Cardaes - não há Natal sem uma paragem obrigatória lá, ao Bazar com maravilhosas compotas e afins, bem como ao Chá com Scones que é lá servido especialmente nessa quadra.

Vale bem a pena visitar - Bom Post :)