quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Lisboa e os cães.


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Não ouvi ainda falar de cães na campanha autárquica. É pouco provável que se lembrem deles.
Na semana passada, vi na televisão uma pequena reportagem em estilo intimista, feita na Casa Branca, onde Obama dizia ao repórter que um dos seus momentos altos do dia era, por volta das dez da noite, ir passear o cão ‘Bo’ pelos jardins da residência. O presidente americano confessava que levava "um saquinho" e que ia apanhando o cocó do cãozinho com o saquinho, como proprietário consciente que era, evitando assim que o jardim ficasse sujo. Com esta pequena história, Obama mostrava mais uma vez que, apesar de presidente dos EUA, era uma pessoa normal, que fazia o que as pessoas normais fazem. Ou pelo menos assim é nos EUA, facto que posso comprovar, pois nos dois anos em que vivi em Nova Iorque assisti a cenas semelhantes nas ruas da cidade, os donos seguindo os seus cãezinhos, de saquinho na mão, apanhando os alívios sólidos para evitar sujar a cidade. Infelizmente, esse grau de civismo ainda não chegou na totalidade a Portugal. Os cães portugueses ainda não são seguidos por donos conscientes e ecológicos, de saquinho na mão, que recolham os detritos como se fossem tesouros, e depois os depositem nos caixotes do lixo. Por isso a cidade continua muitas vezes suja, os passeios marcados por montículos que nos obrigam a uma atenção permanente e por vezes mesmo a um ‘slalom’ para evitar pisar aquelas pérolas.
Sei bem que chegar a esse estado de consciência cívica não é fácil. Desde há um ano que tenho dois cães em casa e tenho de os passear diariamente, e são muitas as vezes que me esqueço de levar comigo os saquinhos de supermercado para recolher os dejectos. Quando um deles se alivia em público, sou muitas vezes assaltado por um sentimento de vergonha, pois sei que não disponho ali de uma forma rápida de limpar aquele pequeno crime. Mas, tenho vindo a melhorar, e hoje já me esqueço menos vezes dos saquinhos, o que me faz sentir um cidadão mais consciente.
Contudo, acho também que fazem falta espaços na cidade onde se possa andar com os animais sem sentir essa vergonha, e onde eles possam correr mais livremente, sem incomodarem outras pessoas que não são obrigadas a gostar de cães. No Verão, além de a maioria das praias estar vedada aos cães, a maioria dos jardins e espaços públicos estão cheios de famílias e turistas, o que torna difícil levar os cães a passear a horas normais. Mas não ouvi falar de animais na campanha autárquica, e é pouco provável que alguém se lembre deles. E dos donos.


Domingos Amaral, Director da 'GQ' (in «Correio da Manhã», de 5/8/09).

3 comentários:

Fuschia disse...

Parece-me uma opinião muito romantizada e pouco prática. Já há alguns jardins com saquinhos disponiveis e já começa a nascer (devagarinho) essa consciência. Mas problema a resolver, seria do canil para a União Zoolófica, que está para sair daquele espaço degradado há anos. Os canis, de um modo geral, em qualquer Câmara, são um problema a resolver. Agora, fazer o quê, aos donos que se "esquecem", tal como este, dos saquinhos em casa e deixam os "tesouros" no meio da rua? E vamos fazer o quê para os cães passearem? Não podem ir à praia? Podem, só não podem é entrar no areal, o que me parece justo. O que o senhor quer, jardins só para cães?

Ana Assis Pacheco disse...

ó senhor emigrante
antes de sair de casa confira se leva cuecas
quem sabe se o esquecimento do saquinho significa outros esquecimentos

iur disse...

O texto é excelente. Os comentários acima não. São apenas comentários habituais de quem julga que nós, humanos, estamos sozinhos. Talvez isso acabe por acontecer um dia, mas não será por muito tempo. Já agora como é que se passeia um cão numa praia sem se ir ao areal????