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No Poço dos Negros, encontrei Custódio. Ao princípio, cara de poucos amigos. Franzino, com um bigode himmleriano, boné de pála puxado para trás, queria conhecê-lo melhor. Falámos um pouco. Por nós passou João Mouraria, cantador de fado nas (muitas) horas vagas. Disse a Custódio quem eu era. Estava passada a fase do medo do desconhecido, da desconfiança, que leva tantas destas pessoas a recusarem ser fotografadas. Às vezes, com maus modos. Mas eu compreendo, a vida tem destas coisas.
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Nestes espaços exíguos, nunca sobra um espaço livre. Do chão ao tecto, é tudo aproveitado para guardar coisas, numa confusão que só o Mestre conhece.
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Conheci muitos lugares destes, por essa Lisboa fora. Muitos, muitos, alguns lindíssimos. Hoje, há muito poucos. É a lei da vida. Mas, como a morte, custa a aceitar. Custódio é marceneiro e restaurador de móveis.
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Todas estas cadeiras foram encontradas na rua por Custódio. Todas. E recuperadas. E restauradas. Custódio merecia uma medalha no Dia de Portugal.
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Quando vêem que viemos por bem, que nos interessamos genuinamente pelo seu trabalho, que não somos uns idiotas em busca de uma utópica «Lisboa d'outros tempos», estas pessoas adoram mostrar cada uma das peças que fizeram. O trabalho que lhes deu, a arte escondida nos mais ínfimos pormenores, a diferença entre o «antes» e o «depois». Esta gente trabalha na solidão paciente. E, por isso, sempre que encontram alguém que se interesse pelo que fazem, desfiam um rosário de histórias.
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Custódio nasceu há um bom par de anos em Cabeceiras de Basto.
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Começou a trabalhar como aprendiz aos 12 anos.
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Nessa altura, eram os pais que pediam aos donos das oficinas para terem os rapazes como aprendizes. Era um favor. Hoje chama-se trabalho infantil. João não ganhava nada, claro. Trabalhou os dois primeiros anos sem ganhar nada. Só ganhava porrada, se fazia alguma asneira. Hoje é marceneiro e restaurador de móveis. A isto chama-se «Novas Oportunidades».
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Outro móvel encontrado na rua, semidestruído.
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Que Custódio recstaurou pacientemente. E que hoje mostra orgulhosamente.
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Custódio tem momentos em que pára o seu linguajar contínuo, polvilhado por um ou outro impropério. Não se é minhoto à toa. Fica absorto em seus pensamentos. E eu, calado.
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Trabalhou muito nos tribunais. Na Relação de Lisboa, no Conselho Superior da Magistratura, fazendo biscates para magistrados. Foi ele que restaurou uma das portas do Supremo Tribunal de Justiça. Falámos muito do estado da justiça, mas, sobretudo, na vertente da questão dos valores mobiliários.
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Há quem goste destas peças. Eu não. Mas gosto de Custódio. Do que é, do que faz e do que representa. Do que Custódio significa para cidade como Lisboa. É claro que isto o Arquitecto Manuel Salgado não compreende, mas eu dou graças aos deuses por ser uma pessoa que não tem nada que ver com o Arquitecto Manuel Salgado.
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Mil vezes o Custódio. Trabalhou no Norte, no Porto, trabalhou no Mercado do Chão do Loureiro, com coisas de artesanato. Agora, está aqui. E eu com ele.
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Falámos aí umas... duas horas. Que não menos.
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Agora, era tempo de ir embora. Chegava a hora de almoço. E, nisso, Custódio é minhoto. Adeus.
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1 comentário:
Boa reportagem!!!
Tenho uma cadeira, de palhinha, que acho que foi o meu sobrinheco a danificar: vou ao Sr. Custódio, para ele fazer orçamento e se agradar, fica obra dele :)
Bom Feriado ao Lisboa S.O.S.
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