sábado, 6 de dezembro de 2008

A história de uma fotomontagem.


.
Quando publicámos aqui esta fotografia, o Sr. Eveningson, um agricultor suíço de Friburgo, colocou o seguinte comentário: «A very moving photo montage». Como fui eu que tirei a fotografia, vou explicar que não se trata de um truque. A história de uma imagem. Vamos lá contá-la.
.

.
Em Xabregas, por bandas da Vila Dias, vi uma casa ao longe.
.

.
Pelo aspecto, prometia. Tinha de lá ir.
.

.
Havia um pequeno problema: a linha férrea.
.

.
É que numa linha férrea passam comboios. E estes vêm depressa. Se nos acertam, magoam.
.

.
E aqui eles passam a grande velocidade. Mesmo perto de nós.
.

.
E a casa ficava mesmo junto à linha. De onde eu estava, não havia outra maneira de lá chegar.
.

.
Lá fui eu, rente à parede. Os moradores vieram à janela. Já estão habituados a ver gente a passar ali. É um ponto de reunião de toxicodependentes. Avisaram-me também das ratazanas grandes. Mas uma fotomontagem é uma fotomontagem, Sr. Eveningson.
.

.
Estava eu nestes pensamentos, a falar com o pessoal à janela, e um comboio aproximou-se, vindo de trás. E rápido. Realmente, passou muito, mas muito perto. Grande barulho. Coitados dos que aqui moram.
.

.
Alguns já caíram à linha. O espaço, de facto, é apertado. E, pior do que isso, pedregoso - e inclinado.
.

.
Quando ando por sítios esquisitos ou assim tento concentrar-me recitando vezes sem conta uma coisa qualquer. Uma espécie de «mantra».
.

.
A minha favorita é o «Tiger! tiger! Burning bright in the forests of the night...», do Blake. Digo a primeira estrofe vezes sem conta. Baixinho, inaudível.
.

.
Pronto, já passou.
.

.
O senhor é maluco ou quê?
.

.
Esta é uma casa onde vive gente. Não é uma fotomontagem. Um suíço pode não acreditar. Mas isto aqui é Lisboa, Lisbon, Portugal. Xabregas (não sei como se diz Xabregas em inglês).
.

.
Chegara ao fim. Agora tinha mesmo de ir pela linha dentro.
.

.
Dar a volta à casa e encontrar... isto.
.

.
E aqui está a casa que o Sr. Eveningson acha que foi uma invenção do Lisboa SOS.
.

.
.
Prossegui. Agora tinha de ir pelo viaduto, onde os comboios se cruzam.
.
.

.
Cá em baixo, a rampa de acesso à Vila Dias.
.
.
Esta é uma senhora conhecida. Já olha para mim como se estivesse habituada a estas coisas. Está sempre a dizer que as casas da Vila estão óptimas. «Isto está fixe», repete. «Fixe» no sentido de sólido, forte, incapaz de vir abaixo, construção do antigamente. Já o pai dela aqui morava.
.

.
Agora realmente não me dava jeito que aparecesse um comboio. Bem, mostrei estas nossas fotografias todas apenas para esclarecer o Sr. Eveningson como são tiradas todas as nossas fotografias.
.

.
Aqui chegamos ao cruzamento das linhas. Também já lá fomos dentro do túnel. Uma estupidez que obviamente não aconselhamos ninguém a fazer. Se ampliar a imagem, verá um grupo de rapaziada com um cão preto. Quando passei por eles, de uma das primeiras vezes que aqui vim, largaram-me o cão, um pitbull ou lá o que é. Sinal de aviso para mostrar quem manda.
.
.
Lá de baixo, o Toni largou-me um grito de surpresa por me rever. O Toni Galego. Canalizador, fanfarrão. Gosta de imitar o espanhol, de reclamar origens galaicas. Gaba-se de ser conhecido como o «Montanelas da Vila Dias». Se um dia vier a Xabregas, Sr. Eveningson, amigo agricultor de Friburgo, não acredite em tudo o que o Toni Galego lhe disser. Mas acredite numa coisa: Lisboa não é uma fotomontagem.
.

2 comentários:

Bic Laranja disse...

Também já fui ao túnel. Nesse tempo o único perigo eram os comboios.
Cumpts.

APS disse...

Nasci muito próximo desse sítio.
A verdade é essa que retrata!
Eu em garoto percorria a linha do combóio.
O lugar onde está implantada a linha do combóio, foi rasgada às "TRINCHEIRAS DE XABREGAS" hoje muito mal tratadas.