quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Lisboa, a do chão salgado.



Nós afastámos os fios eléctricos. Diz: «Beco do Chão Salgado».



AQUI FORAM ARRASADAS E SALGADAS AS CASAS DE JOSÉ MASCARENHAS, EXAUTORADO DAS HONRAS DE DUQUE DE AVEIRO E OUTRAS CONDEMNADO POR SENTENÇA PROFERIDA NA SUPREMA JUNCTA DE INCONFIDÊNCIA EM 12 DE JANEIRO DE 1759 . JUSTIÇADO COMO UM DOS CHEFES DO BÁRBARO E EXECRANDO DESACATO QUE NA NOITE DE 3 DE SETEMBRO DE 1758 SE HAVIA COMETIDO CONTRA A REAL E SAGRADA PESSOA DE D. JOSÉ I. NESTE TERRENO INFÂME SE NÃO PODERÁ EDIFICAR EM TEMPO ALGUM



Em Belém, no dia 13 de Janeiro do ano da Graça de 1759, foram executados os supostos conspiradores da tentativa de assassinato de D. José I. Entre os executados encontrava-se o Duque de Aveiro. Os títulos de Marquês de Távora e de Duque de Aveiro foram extintos e o palácio deste demolido. O terreno onde se erguia a construção foi salgado para que ali nada nascesse ou crescesse. No local foi construída uma coluna cilíndrica, com cinco anéis que representam os cinco membros da família dos Duques de Aveiro implicados na conspiração.



Séculos depois, o proprietário de um restaurante turístico decidiu desafiar a infame promessa de Sebastião José e mostrar que, apesar de salgado o chão, algo de novo aqui poderia nascer e medrar.



Propriedade dos duques de Aveiro, os ares condicionados que povoam o local mereceriam figurar num museu. Bicentenários, estes aparelhos arcaicos escaparam à iluminada mas déspota raison d'État de Carvalho e Melo.



Pela mesma época, há muitos anos, um jovem, amante das artes do grafito, deixou também, para todo o sempre, a marca da sua efémera passagem pelo Beco do Chão Salgado.



E, nesses dias longínquos, aquele que era um local emblemático da cidade de Lisboa e da História de Portugal permaneceu tristemente enquadrado por respiradouros de ares d'outras eras, ostentando a marca de gentes de menos condição e menor valia.



A Junta de Freguesia de Belém, o Turismo, a Câmara, poderiam arranjar o lugar maldito, colocar uma placa explicativa para os muitos viandantes que por ali passam a caminho do Mosteiro dos Jerónimos ou da Colecção Berardo. Mas, por respeito à História, nada decidiram fazer. Nesses dias d'outrora, o local do Chão Salgado assim permaneceu e ficou, com as indeléveis marcas do suplício dos Távoras e da selvática deambulação grafiteira de um adolescente hoje feito pó da terra. Altaneira e indiferente ao cansaço dos dias, neste lúgubre solilóquio persiste tão-só a prateada conduta de fumos de um restaurante turístico sito à Rua de Belém.

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