O nome de Armando Baptista-Bastos anda na boca de toda a gente. Primeiro, foi a discussão, nos idos anos oitenta, sobre o hífen do apelido. Afinal, era Baptista-Bastos com hífen ou Baptista Bastos sem hífen? Depois, em meados da década de noventa, incomodaram esta veneranda figura das letras nacionais com a questão: era Baptista com «p» ou Batista sem «p»? Graças à publicação do utilíssimo Dicionário da Academia, as controvérsias pretéritas ficaram encerradas. É Baptista-Bastos («B.B.», para os íntimos) . Com hífen, com p, com tudo. O hífen mais famoso das letras nacionais, após Bessa-Luís, Agustina, essa representante da alta burguesia da capital do Norte. E já agora: onde estaria o B.B. no 25 de Abril?
Lisboa SOS está em condições de responder: era aqui, neste modesto tugúrio ao Alto da Ajuda que Baptista-Bastos se acobertava, clandestino, na Longa Noite Fascista. Aqui o encontrou Abril, na madrugada luminosa de Sophia. No ano da Revolução, Baptista publicou Cão Velho Entre Flores, o que, para título de obra literária, não está nada mal enquanto contributo para uma semiótica do foleirismo galaico-português. Bem, pouco haveria a esperar de um homem dos jornais que antes havia dado à estampa O Filme e o Realismo (1962) O Secreto Adeus (1963) O Passo da Serpente (1965) O Cinema na Polémica do Tempo (1969) A Palavras dos Outros (1969) e Cidade Diária (1972).
Mantendo a sua voz potente e cava, Baptista-Bastos serve-nos de cicerone aos lugares de velhas reminiscências. «Vêem, jovens, naquela cadeira escrevinhei vastas páginas do Elegia para um Caixão Vazio. É livro de que me orgulho». Grande Baptista, Mestre Baptista, que, como o do toureio, no galanteio marialva nunca te deixaste conduzir por mãos alheias.
Mas quem deste carro cuidaria se não fosses tu, Baptista, mãos calejadas do chumbo das letras, pena na mão contra a miséria e a injustiça? Sim, Bastos, tu o mereces. A casa é tua. Lisboa te a deve.
O carrito telecomandado, não leves a mal, mas está-nos a parecer uma pueril cedência à sociedade capitalista de consumo. Falando em cedência: cederam-te a casa? Dize lá, Baptista.
Rádio-amador, Baptista?! Uma antena, Armando?! Com quem falarás tu? Com a Rádio Tirana, Albânia? Ou com os Serviços de Apoio Domiciliário da CML?
C'os diabos, isto está pior que a tua reputação.
Um Homem Parado no Inverno (1991). É como te sentes, decerto. A invernia aproxima-se. E tu, acossado pelos jornais - os jornais que tanto amaste! -, aqui estás. Ao Alto da Ajuda.
A Wikipedia, essa criação mercantilista, informa-nos que o primeiro prémio que recebeste foi, em 1987, o Prémio Literário Município de Lisboa. Mas antes não tinhas já sido premiado pela edilidade? Agora, dizem que sim. E, falando à imprensa, tu não o negas. Apenas omites alguns detalhes. Mas o Povo, Baptista, o Povo gostava de saber mais. O povo sem hífen nem prémios, B.B. Compreendes?
A Cara da Gente (2008) é o mais recente produto do volumoso caudal criativo deste homem de letras. A Cara da Gente? A gente, a gente que trabalha & sofre, ficou de cara à banda quando soube que este Homem de Abril havia recebido uma casita da CML.
É hora de despedida... Concluir pela esquerda baixa uma obra literária desta envergadura é tão triste, mas tão triste, Baptista. As palavras são mesmo estas: pela esquerda baixa.
Pior que saber que recebeste uma casa é a revelação que guardámos para último: não, não é a aguardente de medronho ou a bagaceira «Prata do Minho» que fazem a tonitruante garganta de Baptista-Bastos. O nosso Armando, vergonha das vergonhas, é danadinho pela Coca-Cola. Não, não vamos explorar sadicamente a ladainha da «água suja do imperialismo»... O Baptista já está suficientemente combalido.
A tarde cai. É tempo de deixarmos Armando Baptista-Bastos na sua moradia unifamiliar. Sempre cavalheiro, Armando vem ao portão para a despedida. Vá para dentro, Sr. Armando, não se incomode. É mais um ou dois dias e essa cáfila dos jornalistas não fala mais disto. Uma cáfila, Armando b.b., uma cáfila.
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