domingo, 17 de agosto de 2008

TUMULTUOSA REUNIÃO DA JUNTA DE FREGUESIA DOS PRAZERES.




Lisboa SOS apurou que a última reunião da Junta de Freguesia dos Prazeres não acabou bem. Nada bem, mesmo. O ponto 4 da ordem de trabalhos, relativo à conservação da Tapada das Necessidades, provocou violenta celeuma. Residentes na zona, contactados por Lisboa SOS, dizem ter ouvido gritos e ruídos de vidros partidos. As imagens, captadas na manhã seguinte, não deixam margem para dúvida. Algo de muito grave se passou. Como o próprio nome indica, a Junta dos Prazeres é uma autarquia prazenteira e algo sibarita, que prefere o culto do hedonismo caseirinho à fúria das grandes controvérsias políticas. Trata-se, pois, de um episódio absolutamente inédito na já longa história desta prestigiada freguesia da capital do país.





O chalet de veraneio dos membros da Junta, em madeira nórdica, apresenta ainda vestígios da contenda.



Uma das acusações mais polémicas prendia-se com o facto de, alegadamente, a vogal Felismina das Necessidades ter levado consigo, sem a devida autorização, algumas plantas dos vasos decorativos que ornamentam a Tapada. As mesmas, diz-se, iriam servir para a realização de arranjos florais na cerimónia de casamento de sua filha, Carla dos Prazeres, marcado para Setembro.



Um dos vogais, Dom Trazimundo de Mascarenhas Barreto, empedernido monárquico, propôs que a gestão da Tapada deixasse de estar a cargo da Junta, retirando-se a placa supra, e regressasse aos cuidados do Rei dos Frangos, afixando-se a placa infra.




Os demais autarcas, visceralmente republicanos, agrediram o seu colega e, em celebração da vitória do verde-rubro sobre o azul e branco, optaram por destruir ligeiramente algumas instalações obsoletas.




Das mais afectadas, a casa de veraneio dos membros da Junta, em madeira nórdica, como as imagens documentam.




Muito provavelmente, foi daqui que surgiu o ruído de vidros partidos ouvido pela vizinhança.




Ultrajada pelas acusações de peculato, a vogal Felismina das Necessidades perdeu a cabeça. E, não fora de pedra, teria posto a mão na anca. Que ela é mulher para isso, é. Tu não te fiques, Felismina.




Boquiaberto, o Sr. Anaximandro Heraclito, tesoureiro da Junta vai para 3.508 anos, com os descontos em dia, assistiu ao desenrolar da cena, imóvel como uma estátua. Mas, na manhã seguinte, contou alguns pormenores do episódio ao merceeiro, Sr. Herberto Helder, e à senhorita D. Carmen Miranda, manicure oriunda do país-irmão com a qual, segundo rumores que surdamente circulam entre a população mais idosa da freguesia, mantém uma relação clandestina de amantismo platónico. É que, a bem dizer, um homem não é de pedra e, não por acaso, estamos no entroncamento das Necessidades com os Prazeres.



Em protesto por estas atitudes menos dignas das suas chefias, que põem em causa o bom nome de uma autarquia inteira, pagando o justo pelo pecador, porque tanto ladrão é o que vai à vinha e etc., os funcionários da Junta decidiram passar a adquirir o «Correio da Manhã», abandonando a leitura do «Herald Tribune» e do «Washington Post». «Assim como assim sempre ficamos a saber o que é que esta gente anda aqui a fazer às noites», confidenciou um dos funcionários autárquicos ao Lisboa SOS.





A mesa da Presidência foi, como se vê, alvo de forte contestação. Sucederam-se os pedidos de esclarecimento e votos de protesto.




O estado da sala constitui um eloquente retrato do que é, nesta Lisboa do dealbar do século XXI, uma reunião autárquica politicamente mais acalorada.




Às acusações de falsificação de documentos, um dos vogais, Sr. Amândio Papel, decidiu, em nome da transparência, exibir toda a documentação familiar por si acumulada desde 1947, incluindo manuscritos históricos que decidira colocar no mercado a preços de ocasião.



No ponto mais aceso da querela, um dos vogais, que não conseguimos identificar, destruiu por completo uma das estátuas da Tapada, alegando que a mesma fora adquirida com as suas poupanças numa promoção dos hipermercados Feira Nova.



Em resposta de homem para homem, o vogal Adalberto Telhado decidiu levar para casa algumas telhas de um dos edifícios, alegando igualmente que as havia adquirido a suas expensas, mas no supermercado Lidl do Beato.





Na zona corre o boato, que apurámos ser inverídico, segundo o qual este objecto em pedra teria sido usado como arma de arremesso político.




Conscientes de que o barulho provocado poderia ser-lhes prejudicial nas próximas eleições autárquicas, todos os membros da Junta fugiram por esta janela indiscreta. Trata-se de uma informação que, com base nas suas fontes, que reservaram o anonimato, o Lisboa SOS está em condições de certificar com elevada fiabilidade.






Na pressa da fuga, o vogal Amândio Papel deixou no local a caixa arquivadora da família. Ser-lhe-á devolvida em próxima reunião de Junta, apurou Lisboa SOS. Trata-se de um objecto de natureza pessoal, cuja propriedade nenhum dos presentes impugnou ou sequer pôs em dúvida. Aliás, na zona toda a gente conhece a caixa arquivadora do Sr. Amândio Papel, uma vez que este a passeia, com trela, todos os dias, ao início enérgico das manhãs e ao sonolento cair das tardes. Faça chuva, faça sol.



Encontra-se já agendada nova reunião autárquica, que se augura conciliatória, tendo a Junta começado a preparar os equipamentos necessários para o efeito. Na imagem, um frigorífico atestado de refrigerantes naturais e bebidas espirituosas. Assim como assim, não é à toa que a freguesia se chama «dos Prazeres». O tanque, ao fundo, irá servir para lavar a roupa suja que tanto ensombrou a última reunião de Junta.


As televisões de todo o mundo começam já a instalar os seus sofisticados aparelhos de retransmissão para acompanhar a próxima reunião da Junta de Freguesia dos Prazeres. O encontro, aguardado mundialmente, será transmitido em directo, ensombrando por certo a cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Pequim. Comentadores de referência, como o Prof. Nuno Rogeiro, opinam que esta cimeira de paz servirá de modelo para a resolução do conflito na Ossétia do Sul.




Até lá, mantêm-se as rigorosas medidas de protecção do local.



As quais, como se vê, são escrupulosamente respeitadas. Com a Junta dos Prazeres ninguém brinca. Prazeres é uma coisa; brincadeira, é outra.



Na verdade, em colaboração com o Ministério da Defesa, a autarquia instalou na Tapada das Necessidades celas disciplinares e corredores tenebrosos que fazem corar de inveja os pérfidos arquitectos da Colónia Balnear Infantil de O Guantanamo, na Linha do Estoril.



Perante a severidade dos castigos, um dos ex-reclusos, Martim Alto de São João do Sacramento, refez a sua vida, abandonando por completo a carreira da diplomacia, actividade delinquente a que se dedicava no Palácio fronteiro à Tapada («estou limpo», diz, «totalmente limpo»). Casará no próximo mês de Setembro com a menina Carla dos Prazeres, personalidade a que atrás se aludiu, ainda que fugazmente.


Observando com uma sabedoria de milénios estes fastos da Tapada, o vogal Anaximandro Heraclito confidencia a quem o quiser ouvir que episódios como este o entristecem profundamente. Às acusações de que está «agarrado ao lugar», o Sr. Heraclito responde que é uma estátua de pedra. O argumento é inatacável. Anaximandro, que pinta o cabelo e as sobrancelhas, gosta de perguntar aos passeantes quantos anos lhe dão. Estes, por simpatia, pecam por defeito e acaba tudo em bem. Em Outubro, Anaximandro conta partir em viagem de recreio até ao Nordeste do Brasil, em visita aos pais afectivos da senhorita D. Carmen Miranda, já referida nesta peça. Até lá, contratou os serviços de um p.t. («personál traina», na colorida linguagem dos rapazes da freguesia, 89% dos quais agarrados ao cavalo, isto é, distintos praticantes de hipismo e frequentadores de Ascot).


Com milenar amizade, o Sr. Heraclito despede-se até ao próximo programa...




...o qual terá como tema: já viu como está a Tapada das Necessidades? Entre os prazeres e as necessidades, porque se olha sempre para os primeiros, descurando as últimas? Não perca, pois, o próximo «Prós e Contras», subordinado ao título «Prazeres vs. Necessidades», com Fátima Campos Ferreira. Transmitido em directo a partir do estádio da Tapadinha, uma vez que o estado da Tapada é, como se vê, miserável.

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