quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Lisboa para lá de Lisboa.





Lisboa terá de governar para lá dos seus limites administrativos
Por Carlos Filipe

Augusto Mateus, antigo ministro da Economia, defende que é tempo de a cidade activar o seu potencial e afirmar-se no plano internacional

Eleger que cenário?

É uma tarefa colossal, mas inadiável, que fará extravasar Lisboa para lá dos seus actuais limites administrativos e irá acabar com "ficções", miragens e coisas inaceitáveis para este século, disse ontem, em Lisboa, o professor universitário Augusto Mateus, coordenador geral do estudo Qualidade de Vida e Governo da Cidade - Bases para um Novo Modelo de Governação da Cidade de Lisboa, na apresentação das linhas gerais deste documento.

Mais do que sugerir a reorganização das actuais 53 freguesias de Lisboa, com a supressão de metade das mesmas ou, em alternativa, a criação de nove estruturas de gestão locais com competências próprias - que passariam a integrar políticas e a procurar a eficiência para os investimentos e equipamentos -, o estudo aponta também para a falência de estruturas como a Junta Metropolitana, acrescentou. "É tempo de Portugal enfrentar o problema de más políticas, como a dos transportes entre concelhos da Área Metropolitana de Lisboa, e se o governo da capital tem disponibilidade política para se lançar num processo com estas dimensões, [então] tem de ter capacidade para também protagonizar a reforma do governo metropolitano e a afirmação de uma cidade-região com a dimensão que esta tem", prosseguiu este antigo ministro da Economia num governo do PS.

Fazer diferente e melhor

Na conferência-debate promovida ontem pela assembleia municipal, no Teatro Aberto, ficaram prometidas outras iniciativas semelhantes, por a reforma administrativa ser de importância capital para o futuro de Lisboa. Esteve lá António Costa, presidente da autarquia, alegando que as épocas de crise "são oportunidades para fazer diferente e fazer melhor", mas o autarca alertou para os paradoxos: "Enquanto comunidade urbana, de vidas, espaço económico, redes de sistemas e de fluxos, o município transcende já em muito as suas fronteiras, carece de instrumentos essenciais à gestão da cidade e a despesa é muito superior à sua base contributiva. O vazio metropolitano está por preencher e a solidariedade metropolitana está por construir. A descentralização de novas competências do Estado para o município impõe-se como necessidade, seja na rede de transportes públicos ou no policiamento do trânsito."

Ao admitir que o município peca por defeito, António Costa também consentiu que a câmara é um decisor excessivamente longe dos problemas. Por isso, advogou um modelo de descentralização do Estado para os municípios, e destes para as freguesias.Augusto Mateus acentuou esta tónica: "Não é possível ter sucesso neste processo apenas dentro dos limites do concelho de Lisboa, sem acabar com um conjunto de ficções, de coisas inaceitáveis, sem um governo metropolitano."

Mudar não é um drama

Depois prosseguiu: "Não é possível, neste século, ter uma cidade-região, com quase quatro milhões de pessoas, com enorme potencial de criação de riqueza e de afirmação no mundo, e continuar com governos do tipo da Junta Metropolitana, com problemas de transportes como o que temos aqui. A tarefa não pode ficar restrita ao concelho de Lisboa, tem de o extravasar, e tem de provocar uma mudança significativa."

À margem da apresentação, este economista disse que os actuais limites territoriais de Lisboa "são definidos por uma estrada militar que já ninguém usa". "Os interstícios dos nossos concelhos, numa lógica de área metropolitana, são mal geridos, têm má qualidade", apontou, sustentando que rever o espaço, que cresceu muito nos últimos 100 anos, não é um drama. "Deveríamos perguntar é porque ainda não mudámos. Não podemos mais fazer investimentos com base em dívida. Precisamos é de ter uma estrutura de governo da cidade, da área metropolitana, que se mova pelos resultados que os cidadãos querem. Temos é de saber se queremos que Lisboa seja uma importante cidade universitária - e para isso temos de ter boas universidades e alojamentos", alegou.

E depois de alertar que o país não vai crescer nos próximos dez anos devido a erros políticos, Mateus pôs o dedo numa das muitas feridas da capital, a perda de habitantes. "Lisboa quer ou não deixar de perder população, quer ou não reequilibrar a cidade em torno do Tejo", questionou, concluindo que "uma das formas de evitar [erros políticos] é melhorar a organização". "Alguns já o fizeram, já há bastante tempo. Nós é que estamos atrasados."

(in Público).

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