segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Ruin'Arte: um ensaio de Gastão Brito e Silva.



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As ruínas, a arte e o egoísmo andam muitas vezes de mãos dadas...

No meu caso pessoal e falando na qualidade de fotógrafo e artista, conclui-se facilmente que este projecto foi uma forma de egoísmo. Todos os artistas têm um ego do qual não se conseguem dissociar, é o motor que nos move, é o nosso alimento. Ao explorar as ruínas e o património arquitectónico degradado, encontrei uma forma de espelhar o narcisismo intelectual e valorizar o meu nome como profissional...sim, foi por puro egoísmo que nasceu o projecto Ruin’Arte...

Este por ter atingido uma dimensão e proporção nunca imaginada na minha vida pessoal, acabou por me ultrapassar como forma de fotografar e se tornar numa causa ... as causas são altruístas, com nobreza e sentido social, são uma forma de luta por um motivo emocional. Normalmente são lutas por causas perdidas ou vozes oprimidas e cai sempre bem ter uma causa, o Karma agradece...

Vi-me de um momento para o outro a lutar com todas as armas que disponho para combater este flagelo, fazendo fogo com toda a minha sensibilidade e técnica, disparando com verborreia e tenacidade e apaziguando com diplomacia e boa disposição...é uma “guerra” que promete ser eterna e que de uma forma egoísta se tornou numa atitude altruísta...

O altruísmo é o egoísmo disfarçado de nobreza e filantropia , uma vez que esperamos sempre algo em troca quando algo damos, mais que não seja alguma notoriedade, gratidão e talvez uma recompensa financeira... acabamos sempre por ser egoístas. O egoísmo é apanágio do ser humano, é inevitável e inerente à nossa condição tanto no plano pessoal como social.

O egoísmo como forma de estar, pode ser muitas vezes uma vantagem pessoal que conduz ao sucesso muitas carreiras e fortunas, obstando quase sempre o mesmo sucesso de uma sociedade ou circulo social. Um dos melhores espelhos socioculturais que podemos observar, é a qualidade da arquitectura e ambiente urbano de determinada povoação. Os edifícios são testemunhas de cultura e fortuna, não só nos estilos e materiais com que são construídos, mas também e essencialmente pelo estado em que esta se encontram. Por egoísmos vários muitos edifícios foram condenados à ruína...

Todos os governantes portugueses desde a nossa fundação, tiveram o mérito de edificar obras faraónicas e megalómanas com a desculpa que estarem a servir o País, talvez com a esperança de ver egoístamente o seu nome ligado a um grandioso monumento e estabelecer dessa forma uma conexão com a sua ilustre pessoa para entrar nos anais da história. Mas ao mesmo tempo nunca tivemos um governante que se preocupasse em reabilitar o património já existente devotando-o ao esquecimento, esse sim um testemunho de grandiosidade de uma longínqua linhagem lusitana, exemplo de cultura e determinação de um povo. Desde os castelos que D. Afonso Henriques construiu para defender o seu património, passando pelos palácios reais, catedrais, até aos estádios de futebol do Euro 2004, o CCB, a sede da CGD e muitos, muitos outros edifícios foram construídos para satisfazer apenas a vontade politica e ego de um governante que altruistamente legou ao País este pesado fardo, cujas facturas pagamos diariamente ...é puro egoísmo político a edificação de certos projectos, principalmente quando é posta em causa a qualidade de vida de um povo e o futuro de um País...

Outros casos ruinosos são de herdeiros de património imobiliário e familiar que egoístamente se desentendem por questões financeiras, antigas querelas e por vezes maldade e ganância que acabam por deitar a perder com prejuízo pessoal, familiar e social bons edifícios, contribuindo egoístamente dessa forma para a degradação urbana e cultural.

Há ainda os casos de vandalismo gratuito, egoístamente perpetrados por tipos sem escrúpulos, sensibilidade e cultura e com requintada criatividade destruidora, que sujeitam toda a sociedade aos pequenos egos revoltados. Tal como há também o egoísmo “intelectual” que certos empreiteiros e autarcas nos impingem de uma forma coerciva ruinosas “reabilitações”, o que é outra forma de arruinar ainda mais o património arquitectónico.

Temos também os egoístas investidores, senhores de grande capital que egoístamente pretendem ver as suas propriedades inflacionadas pela especulação imobiliária condenando a sociedade, a história e o ambiente urbano a uma morte morosa e dolorosa. Controlando pela ruína o valor de uma propriedade, andando ao sabor da bolsa de valores e especulando com o dinheiro que muitas vezes nem lhes saem dos bolsos, até a viabilidade da reabilitação ser posta em causa por não ser economicamente favorável, isto com a conivência do poder político, o que se torna ainda mais grave...

Outros egoístas preferem ver uma conta bancária cheia de zeros a terem de investir na reabilitação de um património que acaba por ser de todos nós, uma vez que qualquer edifício que se encontre em estado degradado é uma ameaça para a saúde pública, é sem dúvida um grande egoísmo por em causa a integridade física seja de quem for, tal como todo o ambiente urbano apenas para poupar algum dinheiro...

Podemos também referir os egoístas que preferiram deixar de investir em rentáveis empresas que deixaram falir, enviando para o desemprego e consequente degradação social populações inteiras de eternos colaboradores, escapando desta forma às obrigações financeiras e lucrando na maior parte das vezes com a especulação imobiliária e alienação do património.

Para finalizar esta breve dissertação, devo também focar o egoísmo sócio-intelectual de certas eminências que para defenderem o seu cargo ou estatuto, evitam associar-se a outros indivíduos ou instituições para não perder o protagonismo, pois dividir louros ou conceder espaço é coisa que lhes tiraria algum poder e protagonismo, o que é mais importante que dar força a uma causa pela unificação de várias entidades...

Concluindo : o egoísmo é inversamente proporcional à grandeza de espírito de cada um, tornando-nos cada vez mais pequenos e insignificantes sempre que olhamos para o umbigo, com o perigo de nos conduzir a uma eminente ruína...

Gastão Brito e Silva

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