Panóptico, Vanguardista e Ignorado. A 8.ª ou o Pavilhão de Segurança do Hospital Miguel Bombarda.
“Aqui, pensou o médico, desagua a última miséria, a solidão absoluta , o que em nós próprios não aguentamos suportar, os mais escondidos e vergonhosos dos nossos sentimentos, o que nos outros chamamos de loucura que é afinal a nossa e da qual nos protegemos a etiquetá-la, a comprimi-la de grades, a alimentá-la de pastilhas e de gotas para que continue existindo, a conceder-lhe licença de saída ao fim de semana e a encaminhá-la na direcção de uma «normalidade» que provavelmente consiste apenas no empalhar em vida” [...] “quando ali entrara no início do internato e o levaram a visitar o decrépito edifício medonho do hospital de que apenas conhecia até então o pátio e a fachada, cuidara-se num casarão de província habitado pelos fantasmas de Fellini: escorados por muros que escorriam de humidade pegajosa, débeis mentais quase nus masturbavam-se em movimentos de balanço voltando para ele o espanto desdentado das bocas; homens de cabeça rapada estendiam-se ao sol, mendigavam ou acendiam cigarros cujas mortalhas eram pedaços de jornal escurecidos de cuspo; ocos de ideias, vegetais trémulos durando apenas; e havia o redondel da 8.ª enfermaria e as pessoas contidas pelos ferros, símios vagarosos moendo frases desconexas, a encalharem ao acaso nos buracos de curro em que dormiam”. (in Memória de Elefante, 1979. António Lobo Antunes)
Sem comentários:
Enviar um comentário