quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Mais um em risco.





Antiga Escola Nocturna em avançada degradação
Indefinição sobre a posse de edifício histórico impossibilita projecto de recuperação

Cristiano Pereira
O edifício da Antiga Escola Nocturna, em Carnide, Lisboa, está no centro de um processo judicial de luta pela sua posse. Um privado diz ter comprado o imóvel mas a Junta defende que mesmo é propriedade de uma associação. E o edifício continua a degradar-se.

O imóvel em questão situa-se na zona histórica da freguesia de Carnide e possui uma história que remonta aos finais do século XIX. Durante décadas funcionou como espaço de ensino e alfabetização pela Associação Auxiliadora de Instrução de Carnide.

A partir de meados da década de 90, a degradação começou a ser evidente e o espaço foi apenas utilizado para esporádicos fins culturais como peças de teatro ou salas de ensaios de bandas musicais. Ao JN, o presidente da Junta de Freguesia de Carnide, Paulo Quaresma, assegura que "em finais de 2001" surgiu "um projecto com vista à recuperação do edifício para dar um novo uso à casa respeitando o espírito que vinha da associação".

Quatro anos mais tarde, "houve umas pessoas que se assumem como donas do imóvel, fazem uma burla e vendem a um terceiro", diz o autarca. Desconhece-se, para já, como terá sido possível realizar-se semelhante venda e registo, com documentação incluída, mas a Polícia Judiciária ainda está a investigar.

Processos ainda em tribunal

A luta pela posse do imóvel deu origem a um conjunto de processos que ainda estão a decorrer em tribunal. Entretanto, a degradação agrava-se dia após dia.

Tanto a Junta como a Assembleia de Freguesia de Carnide aprovaram por unanimidade, em Maio de 2009, uma moção em que reafirmaram e manifestaram a "total solidariedade para com a Associação Auxiliadora de Instrução em Carnide em todas as iniciativas que tenha que promover para defender o seu património, em particular o edifício da Antiga Escola Nocturna".

Reconhecem igualmente o imóvel como propriedade da Associação. Pelo meio, a Junta de Freguesia apresentou uma proposta com vista a transformar o edifício numa "Casa da Cidadania". "Trata-se de um imóvel que tem a carga histórica de ter proporcionado a alfabetização a muitos habitantes", explica Paulo Quaresma, sublinhando que o projecto da Casa da Cidadania proporcionará à população "um espaço para um centro de recursos na área da participação e da cidadania, que pode, por exemplo, retomar colóquios ou conferências".

O autarca frisa ainda que "para a população é inaceitável que o imóvel deixe de ser do domínio público". "Uma coisa é ser privado de uma associação, outra é dar-lhe um uso exclusivamente privado como casa de habitação", diz.

A junta de Freguesia já tem, aliás, um projecto de remodelação do imóvel assinado por um gabinete de arquitectos. O problema, diz o autarca, "é que enquanto não se resolver o problema jurídico, nada pode avançar".

Ensino de adultos e crianças

"A venda da casa a privados até viola os estatutos da Associação", avança Manuela Lopes, da Associação Auxiliadora de Instrução de Carnide, e que se tem dedicado a lutar pela manutenção e rápida recuperação do edifício da antiga Escola Nocturna. Manuela Lopes sublinhou a história do imóvel e o seu contributo para a alfabetização e ensino da população de Carnide ao longo de todo o século XX, recordando que o grupo de republicanos que esteve na origem da sua fundação lutou por atingir o objectivo de possibilitar o ensino nocturno a crianças desfavorecidas e a adultos iletrados.

A ideia, agora com o projecto da Casa da Cidadania, é recuperar o espírito que fez nascer a escola e "recuperar um espaço para a cultura". "A população está toda de acordo com este projecto da Casa da Cidadania", prossegue, frisando que "os moradores não querem perder este edifício em prol de privados".

"Toda a gente aqui conhece a escola e muitos deles até foram aqui alunos", acrescentou, mostrando-se confiante que o processo jurídico proporcione um final feliz à freguesia e que o projecto possa, finalmente, avançar.

(in Jornal de Notícias).

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